segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

Ilusão de Separação

Famosa e certa é a frase do filósofo René Descartes: "Penso, logo existo!"

O ato de pensar nos dá a certeza da nossa existência, mesmo que ela seja tão efémera, mas nem por isso pouco importante ou desinteressante. Pensar faz com que nós percebamos que somos indivíduos únicos, cada um de nós. Contudo, também nos dá a falsa impressão de que estamos separados de todos os outros, de todo o resto, como se não fizéssemos parte do que nos rodeia. O ar que respiro faz parte de mim? Ou será que apenas quando está dentro dos meus pulmões, e depois, quando o libero, faz parte apenas do "resto"? Em que momento poderíamos fazer essa separação? Será que existe essa separação? Penso que não.

O nosso cérebro é uma ferramenta poderosíssima que foi modelada pela seleção natural ao longo de centenas de milhões de anos de evolução biológica. Uma ferramenta muito útil, diga-se de passagem, que nos fornece informações sobre o mundo que nos cerca, orientando-nos na antiga arte da sobrevivência. Capacita-nos para percebermos e simularmos o mundo ao nosso redor ajudando-nos a resolver os problemas do cotidiano e também, por outro lado, muitas vezes fazendo com que enganemos a nós mesmos e que sejamos marionetes das nossas próprias fantasias.


Se formos parar para pensar, podemos verificar que as partículas subatômicas formam átomos, os átomos formam moléculas, as moléculas formam substâncias, e estas formam, em última instância, os nossos corpos. Corpos formados de carbono, ferro, cálcio, potássio, hidrogênio, sódio, glicose, água e tantas outras coisas. Um corpo nada mais é do que um amontoado de átomos organizados de certa maneira. Estamos separados do ambiente apenas porque, em alguns intervalos espaciais, alguns átomos interagem mais fortemente entre si para formarem nossos corpos? Será que a nossa pele torna-nos imunes das influências exteriores? Claro que não, inclusive uma de suas funções é reconhecer essas influências e lidar com elas. Ainda que existam fronteiras corporais, ocorrem as interações, que são tão vitais quanto as próprias e ilusórias separações. Recebemos e devolvemos algo, tanto para o ambiente como uns para os outros. E assim, também damos nossa contribuição ao universo que achamos não fazer parte do nosso corpo, como se nós também não fizéssemos parte dele. Ledo engano!

Essa minuciosa conexão cósmica que une a todos nós em níveis pequenos demais para discernirmos foi, de certa forma, irrelevante na nossa evolução. Os problemas cotidianos que nossos ancestrais mais primitivos tiveram que resolver para continuar vivos não tiveram como variáveis o tamanho dos elétrons e nem a velocidade da luz, e por isso é tão difícil concebermos tais grandezas. Somos brutos demais para captarmos e percebermos tais particularidades. Tivemos que aprender a viver em um mundo médio de tamanhos nem tão grandes e nem tão pequenos, com velocidades medianas, tendo corpos de tamanhos que ficam no meio do caminho entre um átomo e uma estrela. Sendo assim, não é incompreensível que sejamos incapazes de perceber alguns pormenores da vida aparentemente insignificantes, porém muito importantes e que acabam por nos mostrar que pensar que o outro está, de alguma forma, separado de nós é uma mera ilusão grosseira. Você faz parte de mim, e eu de você, na medida em que influenciamos a vida um do outro, mesmo que não percebamos e que seja de forma aparentemente insignificante.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Boa faísca Juliano, espero que ela gere bastante combustões ;)

terça-feira, dezembro 19, 2006 10:45:00 AM  
Anonymous Anônimo said...

Vc escreve muito bem viu...
:*

quarta-feira, dezembro 20, 2006 12:41:00 PM  

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