sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Leseira Humana

"Existem apenas duas coisas infinitas - o Universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao Universo." (Albert Einstein)

Se Einstein tivesse nascido no Brasil e fosse nordestino, certamente não teria usado palavras tão requintadas como "estupidez". Provavelmente teria dito "leseira" mesmo.

A leseira caracteriza-se quando um indivíduo encontra-se numa certa situação, tal que, aos olhos dos outros, aparenta ser um completo idiota. Neste caso, ele seria chamado de "leso" ou "lesado". Na definição do doutor em lingüística Sérgio Freire, temos: "Leseira é um abestalhamento momentâneo que acomete o leso.". A frase que tal indivíduo mais escuta é a seguinte: "Deixa de ser leso!". Apesar das causas mais cotidianas da leseira serem coisas como mal-entendidos, sonolência, incapacidade mental, falta de prática de reflexão, pressa e teimosia, certamente uma das maiores causas é a ignorância.

O ser humano, que surgiu tão recentemente neste planeta (a espécie Homo sapiens tem pouco mais de 150 mil anos), já conseguiu ser tão lesado que por pouco [ainda] não causou a própria destruição, e mesmo assim já fez muito estrago. Apesar das inúmeras trapalhadas, acha-se o supra-sumo da inteligência planetária (e em alguns casos, da inteligência universal). Douglas Adams, no seu "Guia do Mochileiro das Galáxias", explica: "Por exemplo, no planeta Terra os homens sempre se consideraram mais inteligentes que os golfinhos, porque haviam criado tantas coisas – a roda, Nova York, as guerras, etc. –, enquanto os golfinhos só sabiam nadar e se divertir. Porém, os golfinhos, por sua vez, sempre se acharam muito mais inteligentes que os homens – exatamente pelos mesmos motivos.".

Outras espécies anteriores já foram bastante destrutivas. Lembremo-nos dos primórdios da vida na Terra, há aproximadamente 3,8 bilhões de anos. Desde então e durante os 3 bilhões de anos seguintes, apenas seres unicelulares existiam (basicamente bactérias – parece que elas não se importavam muito com trabalho em equipe). A primeira grande crise de poluição global ocorreu há aproximadamente 2,3 bilhões de anos por causa de seres unicelulares chamados Estromatólitos (tão pequenos, porém tão destrutivos). Na época, foram verdadeiros vilões, pois começaram a produzir um gás tão venenoso que quase extinguiu toda a vida da Terra. E esse gás era, nada mais nada menos do que... o oxigênio. Naqueles tempos, oxigênio era uma raridade (menos de 1% dos níveis atuais) e nenhum ser ainda conseguia respira-lo. Os estromatólitos então introduziram esse gás rapidamente na atmosfera e causaram uma crise de proporções globais, pois o oxigênio é um destruidor poderoso de compostos orgânicos e até hoje muitas bactérias são destruídas por ele. Pode parecer estranho chamar isso de uma "crise de poluição global", mas quando os habitantes do planeta são todos bactérias anaeróbicas (que não respiram oxigênio), é melhor gritar por socorro.

Em um dos ramos da árvore da vida, os organismos tiveram que desenvolver métodos bioquímicos para reter o oxigênio, onde um desses métodos foi a respiração aeróbica, estes sobreviveram, multiplicaram-se e hoje, o oxigênio é o ar que respiramos. Nada melhor do que umas mutações favoráveis sendo selecionadas gradual e cumulativamente pela seleção natural. Paralelamente, outros ramos da evolução unicelular continuaram no velho estilo de vida anaeróbico e hoje, ao menor sinal de oxigênio, costumam morrer. Os vilões estromatólitos pelo menos não fizeram isso intencionalmente, o que já é um atenuante para eles.

Outras ondas de destruição em massa são causadas pelo revés cósmico quando asteróides desgarrados atingem o nosso vulnerável planeta. Foi assim que a dinastia dos dinossauros, que já perdurava mais de 160 milhões de anos, terminou há 65 milhões de anos quando um bólido com um tamanho aproximado de 10 quilômetros de diâmetro atingiu a península de Yucatán no México criando uma cratera de 170 quilômetros de diâmetro e levantando poeira o suficiente para escurecer a Terra por vários anos o que levou a extinção dos dinossauros dentro de alguns milênios. Impedindo a passagem da luz solar, muitas espécies de vegetais morreram, eliminando a fonte alimentícia dos dinossauros herbívoros e, consequentemente, sem a carne dos herbívoros para comer, os carnívoros acabaram morrendo também.

Mais recentemente, um outro asteróide atingiu em cheio o planeta, e esse asteróide é o Homo sapiens. No seu livro “O Fim da Evolução” (extinções em massa ocorrem rotineiramente nas eras geológicas sendo “o fim da evolução” para muitas espécies, contudo também sendo uma ótima oportunidade e início de evolução para tantas outras), o paleontólogo Peter Ward comenta sobre as três principais extinções em massa que houveram, e ele chama-as de “Os três eventos”. O primeiro evento sendo conhecido como a Extinção do Permiano que ocorreu há 250 milhões de anos, varrendo mais de 90% de todas as espécies de vida que existiam na época. O segundo evento sendo a Extinção K-T, acabando com mais de 50% das espécies, inclusive os dinossauros. E o Terceiro Evento está ocorrendo nesse exato momento, e agora os culpados somos nós, os humanos.

Sobre isso, o paleontólogo Stephen Jay Gould afirma: “O ritmo da extinção das espécies provocada pela rapacidade humana pode atualmente equivaler ao rítmo da perda nos grandes eventos de extinção em massa que pontuaram a história da vida.”. E Timothy Ferris diz: “A atual extinção das espécies pela mão do homem é um crime que a posteridade considerará mais pernicioso do que a queima da biblioteca de Alexandria.”. Obviamente que a destruição de bibliotecas com séculos de conhecimento humano acumulado foi uma perda irreparável, mas desta vez, estamos perdendo vidas, e não apenas as nossas.

Nossa falta de entendimento sobre as necessidades globais e sobre o nosso papel na natureza atrapalha enormemente o andamento da vida planetária, da qual fazemos parte. Deveríamos pensar a longo prazo e não sermos tão imediatistas consumindo o máximo de recursos naturais em intervalos de tempo tão curtos. Florestas inteiras já foram derrubadas, bilhões de toneladas de combustível fóssil poluente são queimados diária e inconseqüentemente, desequilibrando fortemente a economia natural. Já levamos a extinção inúmeras espécies diretamente com as nossas próprias mãos (o indefeso dodô que o diga), e tantas outras de forma indireta através das nossas trapalhadas. Colonizamos ilhas e continentes, poluímos rios e mares, modificamos o meio-ambiente, misturamos animais estranhos levando ao extermínio descontrolado e mútuo entre eles.

A teia da vida é uma enorme rede emaranhada e fortemente conexa, costurada ao longo de milhões de anos e que se puxarmos um fio inadvertidamente, podemos colocar tudo a perder. Um verdadeiro efeito-borboleta onde pequenas causas iniciais criam grandes efeitos em ondas de choque que vão se propagando ao longo do tempo levando a conseqüências absolutamente imprevisíveis.

Não podemos evitar a colisão de asteróides, a destruição provocada por tsunamis e terremotos ou a erupção de vulcões, mas podemos evitar o nosso egoísmo e ganância. Temos capacidade para isso, basta agora usa-la. Estamos na nossa adolescência tecnológica e o nosso descontrole é muito grande. Já sabemos de muitas coisas, enquanto que outras ignoramos por completo. Parece que ainda não entendemos que nós somos natureza também (ver texto “Ilusão de Separação”) e que destruí-la trará problemas para nosso próprio viver. A “Vingança de Gaia” está batendo as portas como previu o cientista ambiental James Lovelock na década de 1970 com a sua “Hipótese de Gaia”, onde ele afirma que o planeta comporta-se como um organismo vivo. Temos o dever de cuidar de sua saúde, melhor dizendo, da nossa própria saúde.

Sem dúvida nenhuma a nossa espécie é a mais agressiva e virulenta que esse planeta já conheceu. Estamos usando muito mal os recursos naturais de forma desequilibrada e não pensando nas conseqüências. E também temos o conhecimento e tecnologia para provocarmos uma guerra nuclear o que acabaria conosco e com quase todas as espécies do planeta, além de deixar o planeta estéril por um bom tempo. Devemos usufruir da natureza, com certeza, mas com sabedoria. De forma nenhuma quero que destruamos o ar que respiramos, os oceanos onde nadamos e nem as terras que plantamos. Quero muito que consigamos sobreviver e reverter esse quadro que está se formando de aquecimento global e extinção em massa. Desejo e incentivo que tomemos uma atitude diante do que está acontecendo, assinando tratados ecológicos, preservando o meio-ambiente, não poluindo o planeta, e tentando limpar a sujeira que fizemos.

Isso me faz lembrar também de outra frase de Douglas Adams que cabe bem nesse cenário: "Um número cada vez maior de pessoas acreditava que havia sido um erro terrível da espécie descer das árvores. Algumas diziam que até mesmo subir nas árvores tinha sido uma péssima idéia, e que ninguém jamais deveria ter saído do mar.".

Já que nossos ancestrais saíram do mar e conquistaram a terra, depois subiram nas árvores e finalmente desceram delas para conquistar as savanas africanas e, consequentemente, o mundo inteiro, não os decepcionemos. Que deixemos de ser "lesos" e mudemos de postura então, antes que seja tarde demais. Já que vamos com certeza ser extintos mesmo algum dia (assim como qualquer espécie), que não antecipemos esse dia, pelo menos.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Preto, que texto profundo !!! Gostei muito !!! Te amo minha vida !!!

quarta-feira, janeiro 10, 2007 5:21:00 PM  

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