sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Reflexos hereditários de um passado distante

Bungee Jumping é um esporte moderno e radical, e seus praticantes são aventureiros e corajosos. Esses "malucos" sobem em lugares bem altos com centenas de metros de altura como plataformas, prédios, pontes ou penhascos naturais. Amarram cordas elásticas nos seus pés e saltam para o vazio em queda livre. Com toda a tecnologia moderna ao seu dispor, alguns metros antes de atingirem o duro chão, são puxados para cima em segurança, evitando um impacto que certamente seria mortal. Pendurados como um ioiô, ficam balançando no ar enquanto os instrutores operam os equipamentos e os colocam seguramente em terra firme.

As sensações de quem pratica tal esporte são das mais variadas desde um friozinho na barriga até uma grande tontura ao se ver em pé diante de tamanho precipício. O medo é a sensação mais comum diante dessa situação e muitos desistem antes mesmo de subir o primeiro degrau da plataforma. Outros esportes como paraquedismo, rapel e canoagem podem trazer a tona sensações semelhantes.

Analisemos a situação desses esportes radicais. Temos à nossa disposição a melhor tecnologia do mundo de todos os tempo: cordas super resistentes capazes de agüentar várias toneladas de peso; elásticos de primeira qualidade; capacetes inquebráveis; cintos de segurança com fivelas mais do que suficientes; equipamentos especializados para amarração; travas de segurança; equipamento de backup (a redundância é um fator de segurança); dentre tantos outros detalhes. Esses equipamentos sofrem revisões constantemente e são testados nas mais severas condições. Os instrutores são pessoas qualificadas e experientes e os locais apropriados para a prática desses esportes seguem as mais rígidas normas de segurança. Obviamente que em lugares não certificados, com pessoas desqualificadas e material inapropriado, podem acontecer acidentes. Contudo não estou me referindo a essas condições indesejáveis. Estou falando de locais adequados com toda a segurança possível, onde a probabilidade de ocorrer um acidente é praticamente nula.

Chegando nesses locais apropriados para prática desses esportes, mesmo tendo certeza de que é praticamente impossível a chance de se acidentar, a pessoa passa por um processo onde seu corpo reage ao "ilusório" perigo, como se o cérebro não soubesse de toda a segurança envolvida. Imaginemos um lugar onde milhares de pessoas que já saltaram de bungee jumping, tudo funcionando perfeitamente, segurança máxima e divertimento garantido. A pessoa, ao subir na plataforma, completamente equipada e amarrada, pronta para saltar, ao olhar para baixo, as suas pupilas começam a dilatar-se, o coração bate mais forte, a adrenalina é liberada no organismo, a respiração fica mais ligeira, os músculos ficam contraídos e a pessoa fica totalmente em estado de alerta.

Observando o cenário descrito, uma perguntinha que pode nos vir a mente é: "Por quê tanto alarde?". O equipamento é seguro, o local é apropriado, a segurança é máxima, milhares de outros já pularam antes em completa segurança sem sofrer nenhum aranhão. Então, por quê o medo? A resposta para essa pergunta está escondida no passado remoto de nossos ancestrais e no cenário em que viveram.

O ambiente no qual nossos ancestrais viveram o que imperava era a lei da selva, literalmente. Matar ou morrer! Fugir e se esconder num lugar seguro ou ser dilacerado pelos dentes do predador faminto. Num ambiente tão agressivo, temos que estar preparados para a sobrevivência. E os mecanismos corporais que nos deixam capazes de reagir são exatamente essas sensações que sentimos quando estamos, mesmo que aparentemente, em perigo. Os nossos genes "querem" se replicar, mas para isso, devem sobreviver, e para sobreviver, numa situação de perigo, tem que deixar o corpo bem alerta. Então, quando nosso cérebro capta imagens que nos parecem perigosas, como os grandes dentes de um feroz predador ou a visão de um desfiladeiro que pode nos derrubar, os processos químicos que se passam no nosso corpo tem que nos deixar bem ligados e nos dar forças imediatas para podermos correr e nos livrarmos do perigo eminente.

No ambiente onde nosso cérebro foi moldado, não existiam cintos ou travas de segurança, mas apenas dentes afiados, precipícios mortais e pernas para correr. Até uns pouco milhares de anos atrás nada como paraquedismo ou bungee jumping com seus equipamentos de segurança máxima estava nem perto de existir. A evolução biológica é um processo muito lento contado em termos geológicos, e não pode acompanhar nem de perto a evolução das civilizações, e muito menos a evolução tecnológica. Em 100 mil anos, nossos genes não mudaram quase nada, mas em apenas algumas décadas toda a tecnologia mudou incontáveis vezes.

Desde que surgiu o telefone celular há alguns anos, uma pessoa, num intervalo curto de alguns míseros anos, pode ter tido acesso a todos os modelos, desde o primeiro "tijolão" que dificilmente alcançava outra cidade, até os novíssimos mini-celulares que cabem na palma da mão e ligam para qualquer lugar do mundo. Há algumas décadas, surgiu o primeiro computador que ocupava uma enorme sala e tinha uma capacidade de processamento limitadíssima, enquanto que hoje temos computadores de mão que armazenam vários gigabytes de informações em todos os formatos que se possa imaginar. Em outras palavras, os nosso genes não podem competir com a inovação rápida das civilizações, de tal forma que, geneticamente falando, ainda estamos nas savanas africanas fugindo de leões famintos.

Então, quando nos colocamos em pé numa plataforma há centenas de metros do chão, o que o nosso cérebro entende é o seguinte: "Lugares altos são perigosos. Deve ser liberada adrenalina para deixar o corpo mais alerta. Dilatar as pupilas para ver melhor. Tentar sair desse lugar o mais rápido possível.". E quando um mergulhador está dentro de uma jaula aquática observando a vida de tubarões, o seu cérebro entende: "Animais com aparência agressiva são perigosos. Evitar aproximar-se do animal. Sair rápido desse lugar.". Não tem como o nossos genes e cérebro "saberem", a priori, que aqueles equipamentos de segurança evitariam a morte. Essas variáveis modernas não estão programadas nos nossos genes e o "cabeamento" dos nossos neurônios está montado justamente para considerar aquilo como perigo extremo. Da exata mesma forma que, quando uma pessoa faz um transplante de coração e precisa tomar remédios contra a rejeição do tecido estranho, não dá para avisar aos anticorpos para não atacarem aquele novo órgão. Os anticorpos estão programados para lidarem como se fosse um alienígena intruso (algo que realmente é), e é por isso que existe a rejeição do novo orgão que pode causar uma infecção e até a morte, caso não sejam administrados medicamentos repressores de anticorpos. Mais uma vez, como os anticorpos "saberiam" que não se deve atacar o tecido implantado? Simplesmente não dá. Temos inevitavelmente que conviver com os reflexos hereditários de um passado distante.

Com isso, podemos entender vários dos nossos comportamentos. Por exemplo, nós primatas somos bastante solícitos uns com os outros. O paleontólogo Stephen Jay Gould no seu livro "Os Oito Porquinhos" (Eight Little Piggies) em um ensaio entitulado "Dez mil atos de bondade" explica: "O quê vemos num dia qualquer nas ruas ou nos lugares de qualquer cidade norte-americana ou, inclusive, no metrô de Nova York? Vemos milhares e insignificantes atos de amabilidade e consideração. Afastamo-nos para ceder lugar à alguém, sorrimos para uma criança, mantemos conversas desinteressadas com um conhecido ou, inclusive, com um estranho. Em quase todos os momentos, na maior parte dos dias, na maioria dos lugares, o quê se pode ver do nosso lado obscuro? Talvez um pai dando um cascudo no filho ou um adolescente sobre um patins fechando o caminho de uma velhinha?... Unicamente desejo salientar uma questão de estatística. Nada é mais estranho e antipático à mente humana do que pensar corretamente sobre as probabilidades. Muitos de nós temos a impressão de que a vida cotidiana está constituída por uma série interminável de moléstias, de que 50 por cento ou mais dos encontros humanos são tensos ou agressivos. Porém pensemos nisso com seriedade por um momento. Semelhante nível de agressividade não poderia suportar-se. Se a metade das vezes em que nos abríssemos a outro ser humano, este nos recebesse com um soco no nariz, a sociedade cairia de imediato na anarquia. Pelo contrário, quase todos os encontros com outra pessoa são no mínimo neutros e, em geral, suficientemente agradáveis. Homo sapiens é uma espécie de notória afabilidade."

Sendo animais gregários e sociais, vivemos em sociedades onde os indivíduos precisam uns dos outros para sobreviver. Sentimos vontade de estarmos próximos uns dos outros, de comunicarmo-nos, de trocarmos favores, enfim, conseguimos nos colocar no lugar do outro, identificando-nos com ele e sentindo compaixão pelo próximo. Nossa espécie evoluiu num ambiente de bandos com poucas dezenas de indivíduos, onde a ajuda mútua era imprescindível. Para se ter uma idéia de como era o estilo de vida dos nossos tataravós símios, seria algo bem parecido em como vivem os bandos de babuínos, hoje em dia. Os indivíduos tem interesses próprios, obviamente, e uma forma de acordo social é exatamente a troca recíproca de favores (algo como "você cata os meus piolhos e eu coço as suas costas"). Naqueles tempos, os indivíduos sabiam que os seus próximos conviviam com eles continuamente e que se fizessem um favor ao outro, muito provavelmente, num futuro bem próximo, aquele outro poderia retribuir-lhe aquele favor. Outro fator importante é o investimento genético que estava presente nos indivíduos vizinhos. Nesses pequenos bandos, certamente você estaria cercado de primos e irmãos, e ajudar os seus familiares é uma forma de ajudar ao seu próprio interesse genético. No livro "O Gene Egoísta" do etólogo Richard Dawkins, isso é explicado com tremenda profundidade, onde ele demonstra que o "egoísmo" dos genes (aqui o termo "egoísmo" não representa o sentido que empregamos no nosso uso cotidiano) pode resultar na formação de indivíduos altruístas. Resumindo, esse comportamento social de ser solícito uns com os outros, em parte, deve-se a esses ambientes sociais onde emergiram tais necessidades.

Hoje em dia, vivemos em grandes cidades com milhões de habitantes. Rotineiramente não estamos cercados de primos e nem de irmãos, e nem podemos contar com a retribuição futura de favores, quando, muito provavelmente, uma pessoa que conhecemos hoje, talvez nunca mais a vejamos. No entanto, mais uma vez, a nossa solicitude mútua provém também dessas heranças evolutivas e, muito provavelmente, sentiremos o desejo de ajudar o outro em alguma coisa. Em parte, isso explica a origem da nossa moralidade. De fato, como os nossos genes e cérebros "saberão", a priori, que aquele desconhecido não é o nosso companheiro e querido irmão? De certa forma, é nosso irmão, mesmo que desconhecido.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

eh como diria um amigo meu: "naum somos mais q macacos desenvolvidos". E em uma outra entrevista ouvi um cientista dizer. "o ser humano eh em sua essencia vilento, a educaçao eh uma forma de civiliza-lo. Qdo agimos de forma violenta apenas voltamos ao tempo de nossos ancestrais comum"
Acho tbem q inveja, posse entre outros sentimentos podres sao heranças desse desenvolvimento. Somos tao atrasados q consequimos dominar muita coisa mas esquecemos de dominar a nos mesmos. Observe os animais(lembre-se: animais naum pensam, apenas reacionam) e vejam q cada animail(ou especie) tem uma forma peculiar de se comportar. E muitas delas se parecem com o homem.
Parabens Juliano por mais um belo texto.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007 4:46:00 PM  
Blogger Juliano said...

Você disse: "lembre-se: animais naum pensam". Não é bem assim! Os animais que possuem cérebro pensam sim. Claro que de forma bem diferente da nossa. Muito mais simples, digamos assim. Mas vendo um exemplo bem próximo do homem, os orangotantos estão entre os mais habilidosos fugitivos. Eles constroem ferramentas, enganam os tratadores do zoológico, escondem as peças, e quando não tem ninguém vendo, usam um pedaço de arame para abrir a porta da jaula. Se isso não é pensamento, então não sei o que é. E se formos falar em chimpanzés, estes é que pensam mesmo. Podem até reconhecer-se no espelho, apendrer a linguagem dos sinais dos surdos, dentre tantas outras coisas. Mesmo na vida selvagem, eles têm um sistema social bem organizado, troca de mercadorias e esse tipo de coisa.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007 2:43:00 PM  

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