terça-feira, 8 de maio de 2007

Um Dia Marginal

Num barraco de favela, a rede balançava e Denilson demorava para dormir. De estômago vazio, hipnotizado pelo barulho da televisão que ressoava nas paredes de madeira, os olhos dele finalmente começavam a fechar. Abriu os olhos e a noite já tinha se passado, um sono sem sonhos que não recuperava totalmente seu corpo para mais um dia repetitivo. Sua precária condição despedaçava suas forças até para sonhar enquanto estivesse acordado. Noites sem sonhos seguidas de dias sem sonhos. Mais um dia marginal surgia no horizonte cinzento.

Dedé (apelido pelo qual Denilson era conhecido na favela) levantou e foi pras ruas sem tomar café. Era um moleque de quatorze anos de idade, mas que aparentava ter dez anos pela baixa estatura e magreza do corpo. Sua mãe também saía com os filhos mais novos para mendigar pelas esquinas da cidade. O menino Dedé batia nos vidros dos carros a procura de trocados valiosos enquanto alguns motoristas verificavam se tinham moedas sem valor. Sinal abria, sinal fechava, marcando os passos do relógio solar. Buzinas de carros e choro de crianças era a sinfonia que Dedé ouvia. Poluição era o que ele respirava e seu corpo já não sentia o calor que queimava seus pés descalços. E seus olhos observavam atentos os habitantes daqueles carros que passavam despreocupados por sua vida esquecida.

Viu um homem com o vidro aberto falando ao celular enquanto o sinal estava fechado. Sem ter tempo de pensar, decidiu rouba-lo. Não sabemos até que ponto a decisão foi de Dedé. Puxou o telefone e o relógio num só golpe e correu. Desapareceu na multidão de carros e pessoas, mas não foi muito longe dali, pois sua fraqueza não lhe permitiu. O motorista que tinha sido roubado, que chamava-se Arnaldo, era empresário rico e bem vestido. Rondou o quarteirão no seu carro e procurou pelo delinqüente. Descobriu o menino poucas quadras adiante. Estacionou e avisou aos policiais que estavam ali. Enquanto Dedé recuperava o fôlego foi pego de surpresa pelos homens da lei. Colocaram-no na viatura e o levaram até Arnaldo, que recuperou seus pertences. Perguntaram então: "Doutor, o quê o senhor quer que a gente faça com o meliante?". Abrindo a carteira gorda e dando um dinheiro para o cafezinho, respondeu: "Sigam meu carro.".

Pelas ruas cada vez mais desertas, Arnaldo os guiava. Atrás de um estádio abandonado foi onde parou seu carro, e a viatura logo do seu lado. Desceu e disse: "Podem soltar.". Os policiais puxaram Dedé pelo braço e jogaram ele no chão. O garoto amedrontado levantou-se começou a correr. Sem saber onde estava corria sem direção. Arnaldo pegou a arma que guardava no porta-luvas. Mirou e atirou no menino sem esperança. Dedé caiu no chão desengonçado sem saber o que tinha acontecido. Antes de fechar os olhos, o menino sem voz ainda disse: "Socorro!".

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Adorei teu texto... Você escreve muito bem! nati

segunda-feira, junho 25, 2007 5:54:00 PM  

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