sábado, 10 de março de 2007

Jeito Cearense de Ser

O título acima peguei emprestado de um e-mail que recebi. Nesse e-mail tinham várias frases mostrando como são as coisas na visão dos cearenses e as nossas expressões idiomáticas características. Coloco aqui algumas para exemplificar: (1) Cearense não discute... ele bota boneco! (2) Cearense não é sortudo... ele é cagado! (3) Cearense não brinca... ele fresca! (4) Cearense não exagera... ele alopra! (5) Cearense não dá volta... ele arrudêia! (6) Cearense não joga fora... ele rebola no mato! E assim por diante. Só que os cearenses que vivem no Ceará já estão tão acostumados em ouvir essas expressões no seu cotidiano que nem percebem que se tratam de expressões característica. A gente nem "dá fé" de que estamos falando algo só nosso. Nada melhor do que ir para outra região do Brasil para começarem a perguntar o que estamos querendo dizer.

Quando eu e meus irmãos éramos crianças, fomos morar no Rio de Janeiro, porque meu pai foi fazer mestrado na PUC de lá. Moramos lá por dois anos e foi muito legal e divertido. Eu tinha 9 anos quando chegamos lá e 11 quando "pegamos o beco" e voltamos pro Ceará. Imaginem só, um menino cearense de 9 anos, com um sotaque "arretado", conversando com seus amiguinhos do condomínio ou do colégio e vendo as diferentes gírias e modos de falar. No começo acho que fiquei um pouco "avoado" e não entendi algumas coisas que meus amiguinhos falavam. Lembro-me de um episódio interessante que caracteriza exatamente isso.

Tinha um vizinho nosso do condomínio que chamava-se Daniel (se não me engano). Ele era aproximadamente da minha idade e tinha um irmão um pouco mais velho que também brincava com a gente. Ele era magrinho e usava óculos. Certo dia estávamos vendo as figurinhas do álbum da copa de 1990 (um álbum que eu completei, diga-se de passagem). Ele pegou meu bolo de figurinhas e ficou dizendo se cada jogador dos mais diferentes países "se garantia" ou se era "mó paia". Mas ele usou a palavra "escroto" para definir muitos desses jogadores. Ele ia passando as figurinhas e dizendo se o jogador era "escroto" ou não. Pelo que eu sabia, a palavra "escroto" referia-se normalmente a alguém que era muito bom no que fazia. Eu já tinha ouvido frases como "O bicho é escroto!" num contexto que significava que a pessoa "se garantia" muito no que fazia, ou seja, era muito boa. Então achei que ele estivesse dizendo que aqueles jogadores eram muito bons. Mas no final ele concluiu dizendo com outras palavras que aqueles jogadores "escrotos" eram muito ruins e não jogavam nada. Então eu fiquei muito confuso. Daí eu disse para ele que eu usava esta palavra para dizer exatamente o oposto do que ele dizia. Engraçado isso! A mesma palavra sendo antônimo de si mesma, dependendo, é claro, da região do país em que for usada. "Escroto" também pode significar "sacana", "ruim" e até mesmo "estranho". A palavra "escroto", tecnicamente falando, refere-se a bolsa externa de pele onde ficam os testículos dos animais de sexo masculino. Na nossa cultura, essa parte do corpo é considerada feia e pode ser usada como sinal de ofensa (algo que em outras civilizações há muitos séculos atrás era exposto pelos homens para conquistar mulheres, quem diria...). Acho que daí vem o sentido pejorativo da gíria "escroto" no jeito carioca de ser. Tudo bem, vivendo e aprendendo.

Com o passar dos meses, fui dando uma "guaribada" no meu sotaque e nas gírias que usava para evitar futuramente de "dar uma rata" no meio do povo. Mas um episódio que ficou marcado na minha lembrança de vacilos de sotaques foi o seguinte. Era uma aula normal de terceira-série. A professora estava escrevendo na lousa a matéria e todos os alunos (inclusive eu, claro, mas por pouco tempo, como veremos a seguir) copiando diligentemente. Engraçado né, essas aulas de colégio, onde a professora copia as coisas na lousa e os alunos copiam no caderno. Sempre achei contra-produtivo, pois melhor seria que ela desse uma fotocópia do estudo. O velho e bom TD (É o novo!). Mas acabou de passar pela minha cabeça que isso talvez seja para treinar a escrita e caligrafia dos alunos. É, talvez seja por isso (Algum professor poderia me esclarecer sobre isso, por favor?). Pois bem, todos copiávamos. Não me lembro nitidamente da cena, mas tentarei descrever o que me lembro.

Nesse dia eu estava sentado na última fileira, encostado na parede do fundo da sala. Acontece que o meu lápis caiu no chão. As carteiras nas quais sentávamos eram daquelas de braço, que a gente só pode entrar e sair dela por um lado. Eu sou destro, então minha carteira tinha o braço direito e a entrada dela era pelo lado esquerdo. E, por uma eventualidade da vida, meu lápis caiu pro lado direito, ou seja, o lado oposto ao qual eu poderia sair da carteira. Outro detalhe importante é que minha carteira estava encostada na carteira da frente, sendo assim, eu não poderia levantar-me e "arrudear" para pegar o lápis, e além disso, na carteira que estava do meu lado direito (ou seja, no lado para onde o lápis caiu), não tinha ninguém, logo eu não poderia pedir para um coleguinha pegar meu lápis para mim. Eu tentei me esticar para ver se meu braço alcançava o lápis. Tentei bem "dicunforça", mas não deu. A professora estava escrevendo na lousa e todos os outros alunos copiando. Todos copiavam, exceto eu. O único barulho que existia era do giz no quadro e dos lápis nos cadernos. Nada mais. E eu sem lápis. Vejamos a situação: (1) Minha carteira, por trás, encostada na parede do fundo da sala; (2) Pela frente, encostada na carteira da frente; (3) Meu braço pequeno demais para alcançar o outro lado; (4) Nenhum coleguinha ocupando o lado direito; (4) Meu lápis inerte no chão longínquo. Eu tinha que pega-lo. Naquele momento da minha vida, aquele lápis, aquele cotoco de madeira com grafite dentro era o objeto mais importante do universo. Eu tinha que recupera-lo o mais rápido possível, antes que o espaço disponível na lousa para a professora escrever acabasse e ela voltasse para o início da lousa com o apagador e apagasse a parte que eu ainda não tinha copiado. O relógio estava mexendo seus ponteiros, e eu estava ficando sem tempo. O que fazer? Então eu tive uma idéia, um plano aparentemente infalível.

Eu analisei o cenário e verifiquei a impossibilidade de pegar o lápis por métodos "convencionais", digamos assim. Como a professora estava virada para a lousa escrevendo sem parar e todos os outros com cabeças baixas copiando nos seus cadernos, eu olhei pra um lado e pro outro e pensei: "Bem, eu acho que ninguém vai perceber se eu ficar em pé na minha carteira, pular pro outro lado cuidadosamente, pegar meu lápis, e depois voltar pro meu lugar". Acreditem, a ingenuidade de uma criança pode atingir níveis muito altos. Dito e feito, coloquei meu plano em ação. Olhei mais uma vez pra ver se todos estavam concentrados nas suas cópias, tanto a professora como os alunos. OK! Fiquei em pé na minha carteira. Coloquei minha perna cuidadosamente pro outro lado. Pronto, foi aí que meu plano "perfeito" terminou. Estava tão concentrado nos meus movimentos milimétricos que acabei sendo surpreendido por uma pergunta: "Juliano, o que está fazendo?". Uma pergunta em alto e bom tom, vindo diretamente da boca da professora. Olhei pra ela e, com o meu jeito cearense de ser, respondi: "Perainda, professora!". Depois disso, perdi o equilíbrio e cai no chão. A conseqüência direta disso foi que toda a turma, todos os meus coleguinhas, que já estavam olhando pra mim desde a pergunta da professora, todos caíram na gargalhada (como dizemos, começaram a "se abrir"). Algumas possibilidades para as gargalhadas eram: (1) a arrumação que eu tinha aprontado; (2) a minha magnífica queda; (3) a minha frase que incluía um termo estranho "Perainda" ou (4) Tudo isso junto. Ainda escutei alguns deles dizendo "perainda, hahaha". Foi uma verdadeira comédia. Não me lembro o que aconteceu depois. Mas lembro desse momento. Perainda! Essa foi boa!

Sendo que depois de dois anos morando lá, eu e meus irmãos ficamos com um sotaque carioca "aloprado". O meu aniversário de 11 anos foi filmado e podemos ver lá as nossas gírias cariocas "maneiras" e todo aquele chiado puxando o "s" como eles fazem. Voltamos pro Ceará e nos readaptamos ao nosso sotaque original. Desde que voltamos, em nossa casa, não se "serviu o almoço", mas se "botou o dicumê na mesa". Nós não ouvimos "barulho", mas ouvimos "zuada". Lá em casa não se passou a roupa, mas se "engomou roupa". E esse e-mail que recebi termina com a seguinte frase: "Ser cearense é ser único! Ô orgulho véi besta!!!"

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

o pior que eu acho é o "macho". to tentando evitar ao máximo trocando por "cara" "velho" euheuheuhe

terça-feira, março 13, 2007 2:47:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

E quando o "macho" é modificado ou contraído... Tipo: "mancho" ou simplesmente "man".

terça-feira, março 13, 2007 4:03:00 PM  
Blogger Unknown said...

ei Juliano tbem recebi esse email..e eh verdade q qdo falamos realmente naum nos damos conta de falamos tais expressoes. Lembro q qdo Isabelle, uma garota francesa q morou la em cas a por intercambio aprendreu uma de nossas expressoes q significa qdo vc esta com medo. "um frouxo nas calças". Juro q qdo escutei Isabelle dizendo isso com aquele sotaque tipico bolei de tanto rir. Aqui tbem na Espanha tem muito mineio e eles tbem tem suas expressoes tal como "trem", "sô" entres outras...eles riem de mim e claro, eu tbem riu deles..Abraços cara se cuida!!

quarta-feira, março 14, 2007 3:07:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Em falando em "calças", também tem outra expressão que é "morto nas calças" que significa preguiçoso.

sexta-feira, março 16, 2007 10:28:00 AM  

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