quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Filhos Irreconhecíveis

Sistemas de reconhecimento são imprescindíveis para nos relacionarmos uns com os outros. Existem diversos tipos distintos desses sistemas espalhados pela natureza. Formigas, por exemplo, usam feromônios, que são substâncias químicas, para transmitirem estímulos entre si, reconhecerem-se e trocarem informações. Assim dão orientações químicas umas às outras, coordenando as atividades do formigueiro, para procurar comida, coletar o lixo, proteger a rainha, e tudo mais. Aves fazem ninhos e seguem a seguinte regra de reconhecimento: "Quem estiver dentro do ninho, cuide! Quem estiver fora do ninho, ignore!" (Pra quê gastar recursos valiosos desnecessariamente com alguém que você nem tem certeza que é seu filhote, não é mesmo? Logicamente quem estiver no seu ninho provavelmente é seu filhote, enquanto que quem não estiver, provavelmente não é). Aproveitando-se dessa regra, os cucos não fazem ninhos, mas colocam seus ovos nos ninhos de outras aves, tornando-se assim verdadeiros parasitas e deixando que pais adotivos cuidem dos seus filhotes. Não fosse apenas esse aproveitamento ilícito, o filhote de cuco quando nasce, mata os outros filhotes (que são filhos legítimos de sua mãe adotiva) à bicadas ou joga os ovos ainda não chocados para fora do ninho, empurrando-os com seus tocos de asas. Assim aproveita-se melhor dos recursos dos pais adotivos, de forma exclusiva, que não fazem a menor idéia de que se trata de um "estranho no ninho", mesmo que, algumas vezes, o filhote seja o dobro do tamanho da mãe adotiva.

Existem algumas aves marinhas (por exemplo, o Mergulhão da Pata-Azul) que não fazem ninhos, porém, depois de colocarem seus ovos no chão, delimitam uma área circular ao redor dos ovos, um "anel de guano" (guano é excremento de aves), que indica a área dos seus filhotes. A regra é simples: "Quem estiver dentro do anel, cuide! Quem estiver fora do anel, ignore! Quem tentar entrar no anel, expulse ou mate!". Ao contrário de outras aves, que se ausentam dos ninhos para coletar comida para os filhotes (correndo o risco de terem seus ninhos aproveitados maliciosamente por ovos alheios, como fazem os cucos), essas aves marinhas ficam sempre no anel de guano, pelo menos um dos dois pais, ou o macho ou a fêmea, vigiando, assim, a integridade do anel (Isso me lembra "O Senhor dos Aneis - A Sociedade do Anel", de Tolkien). Quando um dos dois volta com o alimento, não pode entrar no anel sem antes fazer uma dança indicando a "senha" para que a passagem seja permitida. Reconhecimento feito, a passagem fica liberada e ele pode entrar no anel. Os filhotes dessas aves não correm o risco de serem mortas por aves parasitas nem que seus ovos sejam misturados com outros, pois o anel é continuamente protegido e qualquer invasor é expulso. Outra questão é que, estes filhotes, inexperientes demais sobre as regras do anel, se saírem inadvertidamente do círculo estabelecido (seja para perseguir uma minhoca desavisada ou por qualquer outro motivo), não poderão mais entrar no conforto do lar, pois não conhecem a dança do reconhecimento de entrada. Caso tenham a infelicidade de tentar entrar no anel, serão devidamente assassinados pelo pai ou pela mãe, que não sabem que trata-se do seu lindo filhotinho, achando que é um intruso desconhecido (possivelmente podem servi-lo de alimento para os filhotes restantes).

Nós primatas somos animais visuais e nos reconhecemos principalmente pelo sentido da visão. Estamos equipados para reconhecermos rostos, diferenciarmos cores, percebermos desenhos, formatos, tamanhos, distâncias e todo esse tipo de coisa que a visão nos proporciona. Desde bebês, a coisa que mais nos chama atenção é um rosto humano, mais do que qualquer outro estímulo. Mesmo tendo passado vários anos sem ver alguém, ou até uma pessoa que não conhecemos muito bem, ao vermos um rosto, mesmo que vagamente familiar, logo temos uma lembrança de que conhecemos a pessoa de algum lugar. Tendo a pessoa envelhecido, mudado o estilo do corte de cabelo, deixado a barba crescer ou cortado-a, ainda assim reconhecemos alguns traços que chamam nossa atenção. Costumamos dizer que conhecemos algumas pessoas "só de vista", e via de regra, isso é mais do que suficiente para diferenciarmos indivíduos uns dos outros. Conseguimos descrever traços físicos das pessoas de forma que desenhistas consigam fazer um "retrato falado" com perfeição. Enfim, estou dizendo tudo isso para comentar sobre algo curioso que aconteceu recentemente na minha casa.

Como comentei em outra oportunidade, eu tenho uma gata chamada Golinha. Acontece que ela engravidou e teve quatro filhotes (não são esses da foto, pretendo substituir esta foto e colocar a foto deles logo mais). Sempre foi uma mãe dedicada e cuidou muito bem da sua prole. Tendo os filhotes completado pouco mais de um mês de vida (e nós não sendo criadores de gatos, diga-se de passagem), resolvemos começar a dar os gatinhos que já não precisavam mais do leite materno. Antes de dá-los, nada mais natural do que banha-los, deixa-los limpinhos e cheirosos para os novos donos. Fomos a uma loja de animais para banha-los. Conseguimos dar dois deles, logo após o banho. Um foi para a própria veterinária da loja de animais, o outro foi para uma conhecida para quem já havíamos prometido. Os outros dois (ou melhor, as outras duas, pois eram fêmeas) voltaram para casa conosco. Chegando lá, a Golinha, que tinha passado o tempo todo miando atrás de saber onde estavam seus filhotes, não as reconheceu. Estavam cheirosas com perfume depois do banho, e seu cheiro característico tinha ido embora. A gata viu (sentiu, melhor dizendo) duas criaturas estranhas, que de forma nenhuma poderiam ser suas filhas. Começou a ameaça-las e tentar afugenta-las (a Golinha também não é esta da foto, tentarei colocar uma foto dela depois, mas foi assim que ela ficou). Toda vez que chegava perto das gatinhas limpas e cheirosas, fazia uma careta e ameaças sonoras. Chegou até a dar uma patada numa delas para que se afastasse. Diferente de tudo que tinha se passado antes, onde a Golinha lambia as filhas continuamente, dormia junto com elas, e dava de mamar, agora via as duas como possíveis ameaças, intrusas invadindo o seu território. Tivemos que coloca-las em quartos separados para não haver mais confusão.

Obviamente que para os felinos, o sentido principal não é a visão, mas o olfato. Não estou dizendo que a visão deles é ruim, claro que não (Aliás, é bem melhor do que a nossa pra algumas funções). Nós, por exemplo, enxergamos em cores. Os gatos aparentemente também, só que não tanto quanto os humanos. Os olhos deles tem outras capacidades, como por exemplo um campo visual de 200 graus enquanto que o nosso é de 180 graus. Só digo que eles não usam a visão para essa questão de reconhecimento como nós usamos. O olfato deles, sendo sobre-humano e bem mais importante, é que é usado nessa função específica. Digamos que eles cheiram "em cores", e com uma nitidez imprecionante. Então, quando trouxemos as filhas da Golinha, baseando-se no cheiro, não as reconheceu. Para ela as gatinhas eram dois seres estranhos.

Imaginemos um caso parecido se fosse no caso dos humanos. Imaginemos uma família européia caucasiana, onde os pais e filhos são indivíduos brancos, loiros e dos olhos azuis. Certo dia a mãe arruma seus filhos para irem ao colégio. Dá um abraço e beijo em cada um e despede-se deles. Eles pegam o transporte escolar e vão estudar. Enquanto isso a mãe fica em casa fazendo os deveres domésticos. Algumas horas depois, quando termina o período escolar, seus filhos voltam para casa. A mãe vai toda contente abrir a porta, mas quando vê, duas crianças estranhas: um menino indígena brasileiro todo pintado, com enfeites de penas enfiados no nariz e rosto; e uma menina morena com roupas típicas da cultura islâmica vestindo até uma burca para esconder os cabelos. Certamente que a mãe iria estranhar e dizer que não eram seus filhos. A voz das crianças pode ser a mesma, os nomes gravados no material escolar é dos seus filhos, mas a aparência mostra que não são seus filhos (apesar de que um exame de DNA poderia confirmar isso). Imagino que deve ter sido assim que a Golinha se sentiu. Engraçado que quando ela ouvia o miado das gatinhas, logo lembrava-se das filhas e começava a procura-las, mas quando aproximávamos as bichinhas pra perto da mãe, logo que sentia seu cheiro tinha toda certeza: não são minhas filhas! Só depois de mais de 24 horas foi que o cheiro do perfume das gatinhas começou a desaparecer e finalmente a Golinha começou a reconheçe-las. Tudo em paz, desde então! Nada de banhos nas gatinhas por um bom tempo.

7 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Excêlente matéria. Excêlente blog (na verdade único interessante que vi até hj)
Continue escrevendo. Essas matérias são incríveis! Conheci esse blog através do seu irmão, o Léo.
Parabens!

Pedro Henrique

quarta-feira, março 07, 2007 10:39:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

O cara excreveu "Excêlente" duas vezes, não pode ter muita credibilidade né!! hehehehe
Então não fique muito convencido Juliano!!! huahuahuahuah

sexta-feira, março 09, 2007 8:24:00 AM  
Anonymous Anônimo said...

Anônimo, na verdade o Pedro usou a palavra "excelente" duas vezes, mas para elogiar dois objetos diferentes: a matéria em questão e o Blog como um todo. Logo não se pode reclamar de uso exagerado de palavras. Primeiramente ele elogiou a matéria "Filhos Irreconhecíveis", e isso poderia ser um elogio local, ou seja, as outras matérias poderiam ser um lixo (algo que espero que não sejam), enquanto que esta especifica seria "excelente". Depois ele elogiou o Blog como um todo incluindo as outras matérias (talvez referindo-se também as ilustrações e organização, sei lá). As opções poderiam ser outras: (1) Blog não ser bom e esta matéria específica ser excelente; (2) Blog ser excelente e esta matéria ter sido um lixo. Mas felizmente, pelo menos na opinião dele, ambos são legais. E como dizem aqui no meu trabalho: "O que abunda não atrapalha!"

sexta-feira, março 09, 2007 5:21:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Pedro, caramba, muito obrigado! Único interessante? Estou impressionado. Que bom que gostou. Ficou bastante feliz com isso. Continuarei escrevendo, com certeza. Valeu! Você conhece o Léo de onde?

sexta-feira, março 09, 2007 5:25:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

o erro não foi pelo fato de ter escrito "excelente" duas vezes, mas sim por ter escrito "excêlente", onde se destaca o acento circunflexo, que não existe nessa palavra!!!
hehehehehe

segunda-feira, março 12, 2007 10:55:00 AM  
Anonymous Anônimo said...

Ah sim, anônimo. Eu não tinha percebido isso. Valeu!

segunda-feira, março 12, 2007 1:08:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

esse post foi nostálgico pra mim
:(

terça-feira, março 13, 2007 11:31:00 AM  

Postar um comentário

<< Home