terça-feira, 3 de abril de 2007

Sinuca Cósmica

A tarde já estava no fim e George preparava-se para mais uma longa noite de serviços. Ele trabalhava no observatório astronômico de sua cidade e tinha a função de catalogar asteróides desgarrados. Sozinho já tinha encontrado mais de nove mil deles nos últimos dois anos, desde que conseguiu aquele serviço. Ele trabalhava no setor de segurança interplanetária e seu dever era descobrir precocemente qualquer ameaça ao seu planeta.

Já fazia alguns anos que as bases lunares tinham começado a ser construídas e havia um tráfego continuo de espaçonaves que iam e vinham da lua levando tudo que era necessário para aquele empreendimento histórico. Não apenas astronautas, mas milhares de trabalhadores de diversas áreas passavam temporadas no solo lunar a fim de acelerar essa etapa da exploração espacial, sem contar nos incontáveis robôs que executavam as mais variadas tarefas, desde as domésticas até o transporte e montagem de blocos de construção. O turismo espacial para passar alguns dias na lua também ajudava a custear aquele projeto. Milionários pagavam qualquer valor para visitar as construções, dar uma olhadinha pela janela e ver sua cidade natal direitamente do espaço. Em breve, quando todo o complexo estivesse pronto, seria mais fácil desbravar outros planetas e talvez outros sistemas solares.


No observatório de George, a maior parte do trabalho era feita pelos computadores que tinham sensores ultra-sensíveis a qualquer movimento no espaço sideral. De vez em quando ele mirava o telescópio para a lua, para ver como andavam os serviços de construção. Ele gostava de ver aqueles robôs desajeitados andando pra lá e pra cá, carregando todos aqueles equipamentos. Tinha um amigo dele, Roberto, que trabalhava na lua e eles conversavam via satélite durante as noites ou então brincavam com simulações e jogos de tabuleiro.

Naquela madrugada, logo depois do seu lanche noturno, George mirou o telescópio para um ponto qualquer a fim de se distrair um pouco, e quem sabe encontrar uma estrela nova e colocar nela o nome de sua namorada. Ele ficou focalizado mais pra frente e mais pra trás por uns momentos para ver se encontrava algo interessante. Algum tempo depois, o computador acusou que um corpo gigantesco passava por ali. George então passou a focalizar naquele asteróide. "Mais um pra minha coleção!", pensou ele. Quase todos aqueles corpos errantes eram inofensivos, ou pequenos demais, ou com órbitas que passavam longe do planeta e de sua lua. Nada que ameaçasse a segurança mundial ou lunar. Só que ele foi calcular a rota do asteróide e descobriu que ele estava indo em direção à lua. O impacto seria dentro de pouco mais de um ano, tempo suficiente para que fossem tomadas as devidas providências.

No mesmo instante em que George fazia aquela descoberta, em um lugar bem longe dali, uma população de proto-anfíbios vivia cada vez mais às margens da água. A vida tinha ficado muito competitiva naquele meio ambiente aquático e haviam muitos predadores extremamente especializados. Os ancestrais daqueles tetrápodes tinha tido imenso sucesso durante muito tempo, dentro d’água. Ao longo das gerações, a população foi crescendo, ramificando-se e separando-se em diferentes grupos, os quais eram empurrados para os mais diferentes lados, chegando a viver em territórios completamente diferentes uns dos outros, e tais territórios implicavam em novas condições de vida para cada grupo. Parte da população continuou por ali, dentro d’água, pois ainda tinha o nicho ecológico suficiente para sobreviver. E aquela outra parte, aquela que já começava a ter variações favoráveis para uma vida parcialmente terrestre, foram desbravar caminhos ainda virgens, sem muito perigo, sem predadores para temer. Ao longo de muitas gerações foram empurrados pela pressão seletiva a viver cada vez mais em terra firme.

Voltemos ao observatório. George mandou logo uma mensagem pro seu amigo: "Meu chapa, dá só uma olhada nessas coordenadas! Tem um asteróide indo direto pra lua... e ele vai cair bem em cima da sua sala.". Roberto verificou e respondeu: "Ah, legal! Vai ser divertido brincar de destruir asteróide. Tô cansado dessas simulações bestas.". Vez por outra, Roberto mirava para o lixo espacial ou meteoritos e dava uns tiros, mas esse aí era dos grandes. O assunto não podia ser levado tão na brincadeira assim. As armas convencionais que limpavam o caminho para as espaçonaves passarem, destruindo pequenos cometas, lixo ou meteoros que ficavam no seu trajeto, não poderiam ser usadas para algo tão grande. Sendo assim, ambos começaram a enviar mensagens para todo o planeta e na manhã seguinte já estava nas manchetes: "Asteróide aproxima-se da lua. Governo custeará nova missão espacial para sua possível destruição ou desvio.".

Alguns séculos antes e esse asteróide não teria como ser impedido. A tecnologia antiga, mesmo na época em que tinham viajado pela primeira vez à lua, que já faziam uns 170 anos, não seria suficiente para destruir ou desviar com segurança tal perigo. Mas já estavam numa era espacial florescente que já dava os primeiros retornos de suas conquistas. Já haviam mandados missões com robôs para alguns dos planetas mais próximos e a construção das bases lunares já estavam a todo vapor. Logo em breve estariam enviando missões tripuladas aos planetas vizinhos e, quem sabe, dentro de alguns séculos colonizando tais planetas e outras luas.

Reuniões foram feitas com cientistas de todos os cantos do mundo, planos foram elaborados, estratégias foram discutidas e, por fim, decidiram que não seria possível destruir o asteróide, pois ele era muito grande. O risco de que ele se partisse e que um dos pedaços continuasse na sua rota era deveras proibitivo. Para que a missão fosse bem sucedida e segura, ele deveria ser desviado. Vários foguetes levariam as bombas que seriam lançadas em sua direção e explodidas numa seqüência precisa, de tal forma que desviasse o bólido para fora do sistema solar.

Plano para desvio de asteróide. Operação "Sinuca Cósmica". (Clique na figura para ampliar)

Na data marcada, vários dias antes do impacto e estando o asteróide ainda bastante longe, foram lançados vários foguetes carregando as bombas. A missão ficou conhecida como "Sinuca Cósmica". Curiosos de todos os cantos apontaram seus telescópios para os céus para assistir ao espetáculo. Uma contagem regressiva foi iniciada e parecia uma festa de ano novo. No momento preciso, na distância exata que cada foguete deveria estar do asteróide, foram explodidas as bombas numa seqüência minuciosa. Durante alguns minutos, dezenas de explosões silenciosas ocorreram, os vários foguetes acionando suas bombas poderosíssimas ao se aproximarem do gigantesco asteróide, desviando o perigo para longe. A rota do asteróide foi alterada com sucesso. As celebrações se iniciaram em todos os cantos do planeta e da lua. Enquanto isso, o bólido desgarrado afastava-se, indo em direção a escuridão do espaço, dentro de alguns anos teria saído por completo daquele sistema solar. George ficou feliz por ter descoberto aquele asteróide. Roberto ficou feliz por ele não ter caído na sala do seu escritório lunar. A vida continuou tranqüila naquele canto do universo.

Durante os seguintes 250 milhões de anos, aquele asteróide viajou pelo espaço vazio, esquecido e solitário, passando por entre vários sistemas solares. Certo dia, foi capturado pela força gravitacional de uma estrela e acabou por adentrar no sistema solar dessa estrela. Ao redor daquela estrela orbitavam alguns planetas, onde um deles, o terceiro a partir dela, era azul. Era coberto por oceanos e terra, onde a vida abundava, animais e plantas ali habitavam. Aqueles proto-anfíbios que saíram da água algumas centenas de milhões de anos antes deram margem para a evolução de todo um conjunto extremamente diversificado de seres. Conquistaram a terra de diferentes formas. As mais variadas criaturas povoavam os mares, monstros marinhos grandes e pequenos, répteis gigantes dominavam a terra, répteis voadores dominavam o ar e as aves ainda eram um projeto que estava dando seus primeiros passos e que não havia se diversificado muito. Também haviam uns mamíferos pequeninos como ratos que viviam escondidos, marginalizados diante do poder ameaçador daqueles poderosos dinossauros. Esses mamíferos não tinha coragem de sair na luz do dia, pois o terreno já tinha dono, logo tinham hábitos noturnos, vivendo como ladrões, roubando ovos e comendo insetos. Mas sua sorte estava prestes a mudar.

Acontece que certo dia, numa tarde ensolarada, enquanto um velociraptor destroçava um dinossauro herbívoro desatento, aquele mesmo asteróide gigantesco e veloz começou a entrar na atmosfera do planetinha. Era o mesmo que tempos atrás tinha sido avistado pelo astrônomo amador, George, num planeta muito distante dali, em outro sistema solar. O mesmo que tinha sido desviado por uma explosão de bombas super potentes, agora entrava com toda velocidade naquele local indefeso. Caiu no que viria a ser conhecido posteriormente como Península de Yucatán, no México. Levantou poeira suficiente para encobrir a luz do sol por vários anos, florestas foram destruídas por queimadas, ondas gigantescas inundaram continentes, ecossistemas foram varridos do mapa e toda a teia da vida foi rasgada. A conseqüência foi a extinção de pelo menos 75% das espécies que ali viviam. Foi o fim da era dos dinossauros que, não tivesse sido por isso, provavelmente ainda estariam por aí. Aqueles ratinhos medrosos sobreviveram e começou uma radiação evolutiva surpreendente nos nichos ecológicos vazios que agora eram terra de ninguém. Algumas dezenas de milhões de anos depois e surgiria uma espécie inteligente de primatas que começaria a fazer perguntas sobre o universo e sobre como as coisas acontecem.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Adorei, é ótimo.

segunda-feira, agosto 11, 2008 12:08:00 AM  

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