terça-feira, 27 de março de 2007

Desdobramentos e Polêmicas sobre a Lei de Murphy

Gostaria de comentar um pouco mais sobre a Lei de Murphy e alguns dos seus desdobramentos e polêmicas. Quando eu pesquisava para escrever o meu texto anterior, "Burlando as Leis da Natureza", verifiquei alguns textos interessantes sobre essa poderosa lei. Alguns chegam a dizer que é "a propriedade mais fundamental do universo" enquanto que outros mais céticos dizem que "trata-se apenas de superstição e que não viola as leis da física".

Estudos sérios já foram feitos sobre isso. O físico inglês Robert Matthews da Universidade Aston estudou os fundamentos científicos da Lei de Murphy e ganhou o Prêmio IgNobel de Engenharia em 1996 quando demonstrou empiricamente que, de fato, o pão cai, na maioria das vezes (na verdade, quase todas as vezes), com a manteiga para baixo. O Prêmio IgNobel é dado a cada ano desde 1991 para os experimentos mais estranhos, inúteis e ridículos que sejam baseados em fatos reais e o seu objetivo é aumentar o interesse na ciência. Algumas das pesquisas ganhadoras vêm de diversas áreas, por exemplo: (1) Matemática: cálculo do número de fotos que devem ser tiradas para que se tenha certeza de que todos os componentes de um grupo apareçam com os olhos abertos; (2) Acústica: realização de experimentos que determinam o motivo de o barulho que as unhas fazem sobre um quadro-negro ser tão irritante; (3) Medicina: término de soluços incuráveis mediante uma massagem retal digital; (4) Ornitologia; estudo que explica porque o pássaro pica-pau não sofre de dor de cabeça; e muitos outros. Uma lista dos ganhadores é divulgada em cada ano.

Quanto à Lei de Murphy, Robert Matthews acredita que esses pequenos aborrecimentos diários são resultados de princípios elementares da matemática e da física e que nada tem a ver com azar. A falácia lógica da "Seleção das Observações Favoráveis" é uma das explicações para a Lei de Murphy. Em outras palavras, nós lembramo-nos mais fortemente de eventos isolados que tenham tido um certo impacto na nossa vida e ignoramos completamente as vezes que outras possibilidades menos impactantes ocorreram. Isso se dá pela nossa falta de prática em lidar corretamente com as probabilidades estatísticas. Isso pode se dar para eventos que deram certo ou quem deram errados. Por exemplo, uma pessoa sonha com certa coisa (que alguém da família sofreu um acidente ou morreu) e no outro dia, ou pouco tempo depois, aquele evento torna-se realidade. Daí associamos o sonho com o evento e dizemos que foi um "presságio". Mas ignoramos por completo e não contamos todas as vezes que sonhamos com algo e que nada ocorreu. E também não consideramos que existem centenas de milhões de pessoas que sonham todos os dias e que, certamente, é bem provável que alguma delas sonhe com algo que acabe se realizando.

No livro "Desvendando o Arco-Íris", do biólogo Richard Dawkins, são explicadas várias dessas associações indevidas que fazemos. Um exemplo que achei interessante é quando ele sugere um cenário onde um "médium" se apresente na televisão e que peça aos telespectadores que peguem um relógio e com a "força do pensamento" o tal "médium" iria fazer o relógio parar. E se depois disso, num intervalo de, digamos, 5 minutos, algumas pessoas ligassem para o estúdio dizendo espantadas que seus relógios tinham parado, certamente isso daria uma certa credibilidade aos poderes do "médium" e as pessoas acreditariam que ele tinha "poderes sobrenaturais". Porém, analisando melhor a situação, verificamos que nada de estranho teria ocorrido, e a explicação é simples. No livro, Dawkins citou algumas cifras e fez uns cálculos: a audiência do programa televisivo (considerando que seja de 10 milhões de telespectadores); a quantidade de intervalos de 5 minutos que cabem dentro de 1 ano (pouco mais de 100 mil intervalos); o tempo médio de vida útil de uma bateria de relógio (aproximadamente 1 ano, isto é, um relógio comum qualquer pára, em média, 1 vez por ano); a probabilidade de um relógio qualquer parar num intervalo qualquer de 5 minutos dentro de 1 ano (ou seja, se um relógio pára 1 vez por ano e existem 100 mil intervalos de 5 minutos em 1 ano, a chance é de 1 em 100 mil). Bem, você pode pensar que 1 chance em 100 mil é uma probabilidade bem baixa, e realmente é. Mas num universo de 10 milhões de telespectadores, mesmo que apenas metade deles estivesse usando relógios, poderiamos esperar que aproximadamente uns 25 relógios parassem. Se desses 25 telespectadores, apenas um quarto deles (umas 6 pessoas) ligasse para o programa, já seria um bom retorno para o truque. Ora bolas, tudo dentro da margem de probabilidade esperada. Talvez até pessoas cujos relógios teriam parado algumas horas antes, algumas horas depois, no dia anterior, ou no dia posterior, ainda atribuíssem isso aos poderes do "médium". Mais uma vez, pessoas associando eventos indevidamente só porque não estão acostumadas a lidar com as leis da probabilidade.

Nós contamos todas as vezes que, num molho de várias chaves, escolhemos a chave certa por último (isso marca nossa memória), contamos quando a máquina registradora do supermercado tem que trocar a fita na nossa vez (isso marca nosso dia), contamos sempre que a pessoa "chegou logo depois que você saiu, se estivesse esperado mais um pouco..." (isso nos chateia), contamos sempre que um sonho "premonitório" previu o que iria acontecer (isso nos dá poderes mágicos), mas ignoramos por completo todas as vezes que nada disso acontece, ou seja, cometemos a falácia de "contar as vitórias e esquecer os fracassos" (ou no caso da Lei de Murphy, "contar os fracassos e esquecer as vitórias.").

Voltando ao assunto, o físico Robert Matthews ficou intrigado com o fato de que livros, torradas ou qualquer objeto de formato semelhante terem uma tendência natural de caírem de cabeça para baixo. Ele pesquisou e verificou que: "O torque gravitacional não é suficiente para que eles girem completamente sobre si mesmos antes de chegarem ao chão. A distância entre a borda da mesa e o solo só permite que ela dê meia-volta. Isso não tem nada a ver com azar, com o fato de um lado da torrada estar coberto de manteiga ou com a ação de algum gnomo invisível. É pura ciência básica. Se a distância entre o topo da mesa e o chão fosse maior, o resultado seria diferente e é provável que o lado da manteiga estaria salvo.". Ele concluiu também que se as mesas fossem maiores, então os objetos teriam tempo de girar completamente, porém isso não é conveniente e nem confortável à anatomia humana. E explica o motivo dos seres humanos não serem maiores: "Qualquer ser bípede e de forma cilíndrica, como os seres humanos, não pode ter mais de 3 metros de altura. Pelas leis da física, acima desse porte ele correria risco de vida. Um homem ou uma mulher com 3 ou 4 metros de altura quebraria facilmente a cabeça numa queda. Para que uma torrada caísse com a face amanteigada para cima, seria necessário que a mesa tivesse acima de 2 metros de altura. Isso nunca será possível porque a adaptação dos seres humanos às leis da física impede que tenham estatura muito maior que a atual.". Os defensores da Lei de Murphy poderiam argumentar que essa lei atuou juntamente com a Seleção Natural e com as outras leis da física, ou seja, sendo assim uma propriedade básica do universo. As leis do universo são tais que, fica inviável seres bípedes muito altos (uma área do "espaço de projeto" que a evolução das espécies não consegue atingir), logo nunca serão produzidas mesas muito altas e os pães estão fadados a sujar o chão com manteiga ou geleia.

O cientista ainda deu algumas soluções para o impasse: "Uma solução seria passar a manteiga na face de baixo da torrada, mas isso iria complicar muito a vida das pessoas. Pode parecer estranho, mas se uma torrada estiver caindo da mesa o melhor a fazer é dar-lhe um tapa na horizontal. Isso vai aumentar a sua velocidade e impedi-la de virar. Não salva a torrada, mas evita ter de limpar a manteiga no chão.". Mesmo explicando cientificamente o motivo físico da alta probabilidade do pão cair com a manteiga para baixo e mostrar que isso não tem relação com forças sobrenaturais, ainda existem muitos crentes na Lei de Murphy. Encontrei um testemunho de um homem que contou: "Minha esposa estava preparando o café da manhã quando, logo depois de passar patê na mesma, uma fatia de pão decidiu cair no piso da cozinha. Surpreendentemente, a fatia caiu com o patê para cima, aparentando ter contrariado a Lei de Murphy. Minha esposa, espantada, pegou a fatia para jogar do lixo e comentou em voz alta: 'Engraçado, a Lei de Murphy falhou dessa vez'. Foi só ela falar e a fatia escorregou da mão dela caindo com o patê no chão. Algumas vezes eu penso que a Lei de Murphy é a propriedade mais fundamental do Universo.". Um outro testemunho: "...outro dia eu derrubei uma fatia de pão a menos de 10 cm do fogão (era uma distância menor do que a largura da fatia de pão de forma) e a maldita fatia conseguiu virar e cair com a margarina pra baixo...”. A polêmica continua e ainda não há um consenso sobre o assunto. Azar ou leis básicas da física?

Outra conseqüência perturbadora da Lei de Murphy gerou um debate que se estende até hoje, uma questão que desafia a força da Gravidade. Antes de comentar sobre isso, quero fazer um breve parênteses. Muitas descobertas científicas ocorreram por acidente ou quando juntamos assuntos de áreas diversas que aparentemente não possuem ligação, sem que seus pesquisadores se dessem conta de que estavam diante de algo importante. Por exemplo, a penicilina, que foi o primeiro antibiótico usado com sucesso e evitou a morte de milhares soldados na Segunda Guerra Mundial, foi uma descoberta totalmente acidental feita em 1928 por Alexander Flemming. Ele trabalhava com culturas de bactérias e, certo dia, saiu e esqueceu-se de fechar a porta do seu laboratório, que ficou entreaberta, e suas culturas de bactérias ficaram expostas. No andar de baixo, outro cientista fazia uma pesquisa com fungos. Partículas desse fungo foram levadas pelo ar e entraram no laboratório de Flemming, contaminando algumas de suas amostras de bactérias. Num outro dia, ele voltou e percebeu que tinha sido formado um bolor nas suas amostras e que ao redor das colônias de fungos que tinham ali crescido não havia bactérias. Ele demostrou que o fungo produzia uma substância responsável pelo efeito bactericida, que ficou sendo conhecido com Penicilina. Flemming recebeu o Prêmio Nobel de Medicina pelo trabalho que desenvolveu com esse antibiótico.

Outra descoberta acidental foi a radiação cósmica de fundo. Essa radiação é uma evidência do Big Bang. É um espectro térmico de radiação que preenche todo o universo. Quando a Teoria do Big Bang foi proposta na década de 1920 pelo padre e astrônomo belga Georges Lemaitre, os astrônomos começaram a estudar as medições feitas por Edwin Hubble sobre o desvio para o vermelho do espectro das galáxias (que indicava que estavam se distanciando umas das outras, ou seja, o universo estava se expandindo), estudaram as equações da teoria e concluíram muitas coisas sobre como teria sido o universo há alguns bilhões de anos, quando as galáxias estavam mais próximas. Em 1948, George Gamow, Ralph Alpher e Robert Herman previram que, se realmente o Big Bang tivesse acontecido, deveria existir uma radiação cósmica de microondas que permeasse o espaço sideral. Ele chegaram até a estimar a temperatura que essa radiação deveria ter, que seria de aproximadamente 5 graus Kelvin (ou seja, -268 graus Celcius). Mas nunca ninguém tinha detectado nada dessa radiação. Dezessete anos depois, outros cientistas que não tinham nada a ver com a história, chamados Arno Penzias e Robert Wilson, trabalhando para os Laboratórios de Telefones Bell, construíram um radiômetro que pretendiam usar para experiências de radioastronomia e comunicação via satélite. Sendo que o instrumento deles estava captando um ruído térmico excessivo que eles não conseguiam explicar. Viravam seu instrumento pra todo lado, pra cima, pra baixo e o mesmo ruído era detectado não importando pra onde eles mirassem. Então Penzias se deu finalmente conta que aquele ruído nada mais era do que a radiação cósmica de fundo que tinha sido predita vários anos antes e com uma precisão altíssima para a temperatura que tinha sido estimada. A dupla ganhou o Prêmio Nobel de Física pela descoberta.

Sim, chega de papo, voltemos aos desdobramentos da Lei de Murphy. Juntando essa lei com outro conhecimento que não tem nada a ver, podemos descobrir um mecanismo muito poderoso: a anti-gravidade. É isso mesmo! Um mecanismo anti-gravidade como aquele usado pelos Jetsons, pelo skate de Marthy McFly no filme "De Volta Para o Futuro II" e pelas naves alienígenas dos filmes. Essa proposta já vem sendo seriamente discutida há algum tempo, por muita gente e dá margem à muitas controvérsias (inclusive sobre direitos dos animais, como veremos logo a seguir). Dois fenômenos da natureza muito bem definidos: (1) Mais que comprovado pela observação cotidiana sabemos que um gato que for lançado de uma janela ou outro lugar elevado cairá de pé, com as patas para baixo, estável sobre suas patas; (2) Esta comprovado também por estudos científicos sérios (vide pesquisa do premiado físico Robert Matthews, comentada acima), que ao soltar da mesa em direção ao chão um pedaço de pão com manteiga, ele vai cair com o lado da manteiga para baixo (Lei de Murphy). Propõe-se então: amarrar um pedaço de pão com manteiga, com o lado da manteiga para cima, nas costas de um gato. Um verdadeiro paradoxo. Uma resposta óbvia seria: anti-gravidade. Se o conjunto (gato + pão com manteiga) estiver caindo, a natureza não encontrará nenhuma maneira de resolver o paradoxo. Portanto eles não caem. Simples assim!

Se você pegar um gato com esse pão amanteigado amarrado às suas costas, a medida que aproximarem-se do chão, o gato vai forçar que ocorra um giro para que ele caia em pé. Quando o gato estiver nessa posição, o pão com manteiga vai girar o sistema mais uma vez para cair com a manteiga para baixo. E assim por diante, o conjunto vai entrar em rotação contínua sem nunca tocar o chão. A altura onde vão estacionar será aquela onde as forças de repulsão felinas e manteigologicas estiverem em equilíbrio. Alguns ainda suspeitam que as naves espaciais alienígenas têm, em seus porões, centenas de gatos amarrados a pedaços de pão com manteiga. Isso explica muita coisa estranha que os discos voadores fazem, como, por exemplo, andar naquele padrão ziguezagueante: são os gatos e o pão com manteiga lutando por equilíbrio.

Uma possibilidade é que, durante o processo, o gato morresse de tontura (ou apenas ficasse temporariamente inconsciente) depois de algum tempo, desta forma, o pão com manteiga ganharia a "disputa", pois gatos mortos (ou inconscientes) não possuem a propriedade de cair sempre de pé, e o pão, finalmente, iria cair com a parte de manteiga virada pro chão. Por outro lado, se o gato agüentasse tempo suficiente, talvez a manteiga escorresse por causa da força centrífuga causada pela rotação do sistema e o pão perderia sua propriedade de cair com o lado amanteigado para baixo. Nesse caso, sem a manteiga no pão, o sistema colapsaria na situação favorável ao gato, caindo em pé. Bem, fica aí a proposta pra quem quiser analisar.

sábado, 24 de março de 2007

Burlando as Leis da Natureza

A natureza é uma caixinha de surpresas. Apesar disso, muitos foram os que já desvendaram os seus segredos e entenderam as suas leis. Einstein certa vez disse: "O Senhor é sutil, mas não é malicioso.". Alguém perguntou o que ele quis dizer com isso, e ele explicou: "A Natureza não esconde seus segredos por malícia, mas sim por causa da própria grandiosidade.". Pessoas que desvendaram algumas das leis da natureza foram, por exemplo, Newton quando descobriu a Gravidade, o próprio Einstein que desvendou a Relatividade e Darwin que compreendeu a Seleção Natural.

Na ciência, não existem certezas absolutas e as teorias científicas são apenas aproximações, mesmo que muito precisas, de como ocorrem os fenômenos naturais. Por exemplo, a Teoria da Gravidade de Newton funciona muito bem para se calcular lançamento de projéteis e a órbita dos planetas. Bastaram as equações de Newton para que o homem conseguisse chegar na Lua. Porém, em se tratando de velocidades próximas da velocidade da luz e em campos gravitacionais muito fortes, existe uma discrepância entre o que as equações de Newton prevêem e o que realmente é observado. Um exemplo famoso é o periélio (ponto que está mais próximo do Sol da órbita de um planeta) de Mercúrio. O planeta Mercúrio é o mais próximo do Sol e está sujeito a um campo gravitacional muito forte, e essa situação está fora do escopo abrangido pela teoria de Newton. Com as equações de Newton, dá uma diferença de 43 segundos de arco por século, ou seja, os cálculos dizem que Mercúrio deveria estar em um local, mas as observações astronômicas mostram que ele está um pedacinho de nada mais pro lado a cada século. A teoria é bem precisa, mas em situações extremas, tem uma margem de erro. E vocês sabem como são os astrônomos, mesmo uma diferença mínima de 43 segundos na órbita de Mercúrio por século, já é motivo pra confusão. Eles perceberam que Mercúrio estava "burlando" a Lei da Gravidade de Newton.

Isso foi corrigido quando Einstein elaborou a Teoria da Relatividade, explicando como era a geometria do universo e dando um novo entendimento à Gravidade. Essa nova teoria complementa a anterior, ou seja, explica tudo que já era explicado pelo teoria de Newton e vai além disso, alcançando situações mais críticas com velocidades próximas da velocidade da luz e com campos gravitacionais até mesmo gigantescos. Calcularam o periélio de Mercúrio com a teoria de Einstein e os cálculos combinaram perfeitamente com as observações. Ainda assim, existem situações que a teoria de Einstein não explica, por exemplo, no momento do Big Bang, onde toda a massa do universo estava comprimida num ponto de tamanho subatômico quase zero e a gravidade era praticamente infinita. A Teoria da Relatividade é uma das mais bem sucedidas teorias científicas, sendo absurdamente precisa e abrangente. Mas quando rebobinamos a fita do tempo ao momento do Big Bang (aproximadamente uns 15 bilhões de anos atrás), as equações de Einstein se despedaçam como um vaso caído no chão, ou seja, começam a aparecer o que os matemáticos chamam de "anomalias" e os resultados das fórmulas ficam malucos. Ok, o Big Bang pode "burlar" a Relatividade, ninguém é perfeito. Bem, vamos esperar pra ver se a Teoria das Cordas resolve esse probleminha, quem sabe.

No caso da Seleção Natural, como isso pode ser burlado? Bem, basicamente, a idéia da Seleção Natural é que os indivíduos que tiverem variações desfavoráveis terão maiores chances de morrer sem deixar descendentes. Burlar isso seria o mesmo que igualar as chances de indivíduos diferentes que, sem ajuda "extra", teriam chances diferenciadas (uns pra mais e outros para menos). Imaginemos duas pessoas, uma com visão perfeita e outra com miopia. Vivendo na selva, a pessoa com visão melhor teria mais chances de sobreviver do que uma míope. Já ouvi falar que é por isso que nas populações indígenas as pessoas tem uma visão bem melhor do que as populações que vivem nas cidades grandes e casos de deficiência visual são raros nesses povos. Isso é uma conseqüência direta de viverem na selva sem ajuda tecnológica. Simplesmente os índios que tiverem problemas de vista terão mais chances de serem picados por uma cobra (ou algo parecido) e morrer, enquanto que um índio com boa visão avistaria o perigo com nitidez e de longe. A Seleção Natural ceifa impiedosamente os índios defeituosos e sobram (com probabilidade mais alta) aqueles com boa visão (e melhorando ao longo das gerações). Algo pode burlar isso: um óculos. Pronto, uma pessoa com genes que causariam miopia, usando um óculos fica em pé de igualdade com uma pessoa com visão perfeita. E se formos falar em cirurgia a laser, melhor ainda.

A Seleção Natural tem sido burlada sistematicamente pela medicina. Pessoas que morreriam de doença do coração recebem um transplante e sobrevivem. Hemofílicos, ou seja, pessoas com problemas de coagulação no sangue (eu, por exemplo), antigamente costumavam morrer jovens, ainda crianças, por cortes ou machucados banais, mas com os tratamentos modernos de hoje em dia, o fator de coagulação é reposto sem problemas e vivem (vivemos) como qualquer um. E tantos outros milhares de tipos de doenças (asma, diabetes, pressão alta, câncer, AIDS) que no passado matavam mais facilmente as pessoas, atualmente podem ser facilmente tratadas e controladas e seus portadores podem levar uma vida como qualquer outro, inclusive vivendo até a idade de maturidade sexual e terem filhos, burlando a Seleção Natural, e passando os seus genes "desfavoráveis" adiante. Se o tratamento existir para tais doenças e for aplicado, pode anular o efeito fatal que poderia vir a acontecer e talvez esses genes nem sejam mais "desfavoráveis", pode ser que sejam agora "irrelevantes". Pessoas podem hoje se dar ao luxo de serem diabéticas, hemofílicas, míopes, hipertensas, sem maiores conseqüências, caso o tratamento seja administrado corretamente. Até pessoas consideradas feias pelos padrões de beleza da sociedade, que consequentemente teriam maior dificuldade para atrair parceiros sexuais, hoje podem fazer todo tipo de tratamento estético, cirurgias plásticas, lipoaspirações, cremes de beleza, massagens, etc., e acabam virando verdadeiros ícones de beleza (vide programas como Extreme Makeover, onde pessoas passam por um tratamento geral de beleza mudando o corpo de forma radical). Quem diria que a Seleção Natural seria tão burlada como nos dias de hoje.

Quando pensei em escrever esse texto, eu queria falar mesmo era da Lei de Murphy e como a mesma pode ser "burlada", mas acabei falando de tantas outras leis. Bem, ainda em tempo, falo sobre isso agora. Edward A. Murphy era um engenheiro aeroespacial da Força Aérea Americana, e ao fazer experimentos com foguetes em 1948, ele acidentalmente descobriu uma lei da natureza, uma lei que explicaria muitos eventos do cotidiano das pessoas, uma lei que levaria seu nome, a Lei de Murphy, às vezes chamada de a Lei da Trapaça. Num projeto que pesquisava sobre a tolerância humana à aceleração, foi feito um experimento onde eram colocados 16 acelerômetros montados em diferentes partes do corpo de uma pessoa. Havia duas formas pelas quais cada sensor podia ser colocado em sua base e apenas uma delas era correta. Acontece que quando colocaram os sensores, viram que tinham colocado todos da forma errada. Num lampejo de pensamento, Murphy declarou: "Se há duas ou mais formas de fazer alguma coisa e uma das formas resultar em catástrofe, então alguém a fará.". Dentro de alguns meses a Lei de Murphy espalhou-se por várias culturas e recebeu variações de acordo com a imaginação popular. A forma mais comum de ser citada é a seguinte: "Se alguma coisa pode dar errado, então ela vai dar errado.". Algo como "o pão sempre cai com a manteiga/geléia virada para baixo" seria uma versão mais simples ainda.

Analisando bem a Lei de Murphy, vemos que trata-se praticamente de uma tautologia, ou seja, uma proposição que sempre é verdadeira. Imaginemos uma pessoa fazendo algo, qualquer coisa, então pode dar certo ou dar errado. Se der errado, a Lei de Murphy funcionou, pois previu que daria errado. E se der certo, é porque não tinha chance de dar errado, então a Lei de Murphy também funcionou, pois ela diz que só dá errado se puder dar errado. Se deu certo é porque não tinha como dar errado. Então pronto, de uma forma ou de outra, a Lei de Murphy está garantida, cobrindo as duas pontas. Uma lei definida de forma tão poderosa, será que pode ser "burlada"? Já faz algum tempo que venho prestando atenção nessa lei e verifiquei situações em que eu consigo burla-la, ou seja, algo que daria errado, se usarmos um segredinho que eu descobri, podemos virar a mesa e fazer com que dê "certo". Antes de contar minha descoberta, conto algumas formas de como essa lei já atingiu e continua atingindo a minha vida.

Quando eu era adolescente pratiquei capoeira durante alguns anos. No dia do meu primeiro batizado (evento no qual o capoeirista troca de corda), foi o mesmo dia de um evento que tinha no meu colégio Coopefor, um evento chamado CooperBike. Era um passeio ciclístico partindo do colégio e indo até um clube na praia (BNB Clube, lá na Praia do Futuro, perto do Caça e Pesca). Eu preferi não participar desse CooperBike, pois o batizado seria de tarde e eu não queria correr o risco de chegar atrasado ou talvez me machucar e não poder ir pro batizado. Enfim, o que acontece é que teve um sorteio lá nesse clube, um sorteio de uma bicicleta e adivinhem quem ganhou: eu. Só que eu não estava lá e a bicicleta foi pra outra pessoa. De acordo com a Lei de Murphy, se eu tivesse ido pro passeio do colégio, eu não teria ganhado a bicicleta, mas como eu não fui, claro que eu tinha que ser sorteado, só pra eu ficar com o gostinho da perda da bicicleta. Um outro dia, recentemente aqui no meu trabalho (SERPRO) teve um evento com umas palestras. Daí teve um sorteio de uma camisa num dos dias. Precisamente nesse dia, eu sai mais cedo pra almoçar e perdi o finalzinho da palestra. Claro, ganhei a camisa, mas não estava lá e foi pra outra pessoa. Maldito Murphy. Essa lei aparentemente consegue prever o futuro, então nas duas situações (passeio do colégio e palestra) a Lei de Murphy previu que eu seria o ganhador, logo foi logo elaborando situações para eu não estar lá na hora dos sorteios.

Também tem situações como a seguinte: se você estiver em uma fila, a fila do lado da sua sempre anda mais rápido. E se você mudar de fila, a sua fila atual vai começar a ficar mais devagar e a outra que você estava vai ser mais rápida. Como existem pessoas nas duas filas, a Lei de Murphy atua juntamente com a Teoria da Relatividade e causa o retardo das filas relativamente, dependendo do observador. Quando a gente tá atrasado, sempre os motoristas que estão na nossa frente ficam mais lerdos e todos os sinais conspiram para fechar pouco antes de você chegar neles, para ter que esperar o maior tempo possível. Mais uma vez, a Lei de Murphy atingindo nossa vida cotidiana. Se a sessão do cinema ou teatro for esgotar, provavelmente vai ser assim que você estiver na boca do caixa e ele vai dizer: "Acabou de lotar a sessão!". No caixa de supermercado, se a fita da registradora tiver que ser trocada, o numero de vezes que será trocada na sua vez será maximizado pela Lei de Murphy, e possivelmente num dia em que você estiver bem cansado e com pressa. Se você estiver esperando alguém (um médico ou dentista num consultório, por exemplo) e você tiver um tempo limite de espera para você desistir e ir embora para outro compromisso, a pessoa vai chegar alguns minutos assim que você sair. Tipo, se você estiver disposto a esperar por 10 minutos e depois ir embora, assim que você sair, a pessoa vai chegar. Se você esperar por 30 minutos, pouco mais do que isso será o momento de chegada da pessoa. De forma que, vão te dizer: "Ah, assim que você saiu ele chegou. Se você tivesse esperado mais um pouquinho...". E não interessa se você esperar mais um pouquinho, a Lei de Murphy garante que esse pouquinho vai ser adicionado no atraso da pessoa. Como poderíamos burlar essa lei tão poderosa? Espero responder isso logo mais.

Foi por acidente que eu percebi que a Lei de Murphy é imediatista, ou seja, o que puder dar errado primeiro, vai dar errado primeiro, numa ordem cronológica de eventos. O imediatismo da Lei de Murphy implica que fracassos a curto prazo tem prioridade sobre os fracasso de longo prazo. Explico melhor com exemplos. Eu tenho o costume de ler muito. Sempre ando com um livro pra onde quer que eu for, para que, caso eu fique sem fazer nada ou esperando algo, eu possa ler. Alguns livros que eu li eram tão bons que eu não podia esperar para ler mais um pouquinho. Cheguei ao ponto de ao dirigir meu carro, quando chegasse num sinal que eu sabia que iria demorar muito, eu deixava a página marcada para ler pelo menos um parágrafo. Tem sinais de trânsito que são de três tempos e você tem que esperar dois sinais abrirem para você poder ir. Perfeito para uma leiturinha rápida. Ok, percebi que um padrão acontecia. Sempre que eu chegava nesses sinais e estava querendo muito ler meu livro, o sinal abria num instante e eu não esperava nada. Eu pensava: "Droga, só porque eu queria ler o sinal ficou logo verde.". Mas isso fazia, como um efeito colateral, com que eu chegasse mais rápido ao meu destino, e se eu estivesse com pressa isso era muito bom. Então, o evento de curto prazo era "ler o livro" e o evento de longo prazo era "chegar no destino rápidamente". Percebi isso e comecei a usar a Lei de Murphy ao meu favor. Sempre que eu estava atrasado, pegava um livro e deixava prontinho para ler, daí todos os sinais abriam rapidamente ou então eu experimentava o que os engenheiros de trânsito chamam de "onda verde", com todos os sinais ficando verdes para minha passagem livre. O imediatismo da Lei de Murphy para me desagradar na minha vontade de ler logo, acabava por otimizar minha vontade secundária de chegar logo onde eu queria ir. Se você for uma mulher e quiser se maquiar durante a viagem de carro enquanto os sinais estiverem fechados, caso você tenha levado a maquiagem, podes crer que os sinais não vão deixar você se maquiar e vão abrir rapidinho. Pelo menos você chega mais rápido e pode maquiar-se estacionada no seu destino. Se eu for para um banco sem um livro, a fila vai ser gigantesca e vai demorar muito. Mas se eu levar o livro para ler na fila, talvez nem tenha fila ou então ande bem rápido.

Porém há um detalhe, você não pode fingir. Você tem mesmo que querer ler o livro (ou o que quer que seja) naquele momento para que funcione a otimização do desejo de longo prazo. O que você quiser fazer a curto prazo, você tem que querer mesmo. A Lei de Murphy é bem sensível às suas vontades. Não adianta você fingir que vai embora do médico e ficar escondido atrás de uma porta ou na escadaria do prédio para que o médico chegue logo, ou então dar uma volta no quarteirão para fingir que foi embora sem esperar a pessoa que você esperava. Se você quiser ir embora sem esperar a pessoa, pode ir, mas com vontade mesmo de ir embora. Talvez se você decidir ir embora e se distanciar um pouco com sinceridade no coração, isso vai desencadear a chegada rápida da pessoa que você esperava, sendo assim, se você logo depois mudar de idéia e voltar, vai encontrar a pessoa lá. Assim você burlou a Lei de Murphy. Eu sempre uso livros quando estou atrasado (para trânsito, filas em geral, consultórios médicos, etc.). E se eu chegar num sinal e ele estiver fechado, eu digo logo em voz alta: "Ah, que bom que o sinal está fechado, assim eu poderei ler.". Bingo, o sinal abre na mesma hora.

Um dia desses eu burlei a Lei de Murphy da seguinte forma. Tínhamos que ir com uma amiga num clube de praia (Beach Park – Aqua Park) para ela pegar seu cartão promocional. Eu deixei ela lá e fui estacionar o carro um pouco longe, sai do carro e fui para a entrada do clube e fiquei esperando elas lá. Eu pensei comigo sobre a situação. Bem, ela poderia demorar muito e eu nem sei onde ela estava. E ela disse que demoraria. Se eu ficasse lá parado, ela iria demorar. Não interessa quando tempo eu esperasse, iria demorar um pouco mais do que eu estava disposto a esperar. Mas se eu fosse lá no carro pegasse meu livro (Dom Quixote de la Mancha, que eu estava lendo no momento), voltasse pra entrada e ficasse lendo, ela poderia demorar o tempo que quisesse. O pior é que eu também sabia que, de acordo com a Lei de Murphy, se eu fosse no carro (um pouco longe e debaixo de sol quente) pegasse o livro e voltasse, assim que eu chegasse lá, ela estaria de volta e eu teria ido pegar o livro inutilmente. Mas se eu esperasse 10 minutos para pegar o livro, ela chegaria em pouco mais de 10 minutos. Se eu esperasse 30 minutos, ela demoraria pouco mais de 30 minutos. Então eu fui logo pegar o livro, mesmo sabendo que seria inútil de acordo com a Lei de Murphy, e eu sabia que ela estaria na entrada quando eu voltasse. Pronto, foi exatamente isso que aconteceu. Mas, como eu disse, se eu não tivesse ido, ela teria demorado muito e eu ficaria lá inutilmente de qualquer jeito. Entre esperar muito tempo inutilmente e sem fazer nada ou então ir no carro debaixo de sol quente e suar um pouco, preferi o sacrifício mais rápido. E como a Lei de Murphy é imediatista, eu usei isso a meu favor. Tente você também.

sexta-feira, 16 de março de 2007

Pã / Fauno

Também conhecido como Lupércio ou Lupercus em Roma, e como Fauno ou Silvano pelos latinos.

(PAN): Deus dos rebanhos e dos pastores de ovelhas, das cabras e da fornicação. O que isso te diz sobre o antigo cidadão grego, hein?

O filho de HERMES, e possivelmente de uma cabra, Pã era mais um da multidão de beberões de DIONÍSIO, com toda a sua vida de malícia exibicionista que isso consequentemente implica. Bosques com clareiras. NÍNFAS. Orgias. Flautas. Esse tipo de coisa. Você sabe do que estou falando.

Como um Deus com seus cascos firmemente colocados no chão, Pã foi (e ainda é) adorado como uma divindade potente da fertilidade e da terra.

Estátuas de Pã. Na estátua da esquerda, Pã ensina um pupilo à tocar flauta. Ambas as estátuas foram encontradas em Pompéia.

Ele era conhecido como FAUNO pelos romanos faunicadores. Em tempo, seu estilo de vida despreocupado começou a chatear os primeiros cristãos, que viam suas tentações terrenas como manifestação do Diabo. Quem não imaginaria que o velho e tarado bode tornar-se-ia a planta esquemática dos conceitos populares de SATANÁS - cascos, chifres e tudo mais? Se Pã pudesse processa-los por difamação, a Igreja não poderia se defender.

Dados Gerais:
Área ou povo: gregos
Localização: Grécia antiga
Gênero: Masculino
Categoria: Divindade

sábado, 10 de março de 2007

Jeito Cearense de Ser

O título acima peguei emprestado de um e-mail que recebi. Nesse e-mail tinham várias frases mostrando como são as coisas na visão dos cearenses e as nossas expressões idiomáticas características. Coloco aqui algumas para exemplificar: (1) Cearense não discute... ele bota boneco! (2) Cearense não é sortudo... ele é cagado! (3) Cearense não brinca... ele fresca! (4) Cearense não exagera... ele alopra! (5) Cearense não dá volta... ele arrudêia! (6) Cearense não joga fora... ele rebola no mato! E assim por diante. Só que os cearenses que vivem no Ceará já estão tão acostumados em ouvir essas expressões no seu cotidiano que nem percebem que se tratam de expressões característica. A gente nem "dá fé" de que estamos falando algo só nosso. Nada melhor do que ir para outra região do Brasil para começarem a perguntar o que estamos querendo dizer.

Quando eu e meus irmãos éramos crianças, fomos morar no Rio de Janeiro, porque meu pai foi fazer mestrado na PUC de lá. Moramos lá por dois anos e foi muito legal e divertido. Eu tinha 9 anos quando chegamos lá e 11 quando "pegamos o beco" e voltamos pro Ceará. Imaginem só, um menino cearense de 9 anos, com um sotaque "arretado", conversando com seus amiguinhos do condomínio ou do colégio e vendo as diferentes gírias e modos de falar. No começo acho que fiquei um pouco "avoado" e não entendi algumas coisas que meus amiguinhos falavam. Lembro-me de um episódio interessante que caracteriza exatamente isso.

Tinha um vizinho nosso do condomínio que chamava-se Daniel (se não me engano). Ele era aproximadamente da minha idade e tinha um irmão um pouco mais velho que também brincava com a gente. Ele era magrinho e usava óculos. Certo dia estávamos vendo as figurinhas do álbum da copa de 1990 (um álbum que eu completei, diga-se de passagem). Ele pegou meu bolo de figurinhas e ficou dizendo se cada jogador dos mais diferentes países "se garantia" ou se era "mó paia". Mas ele usou a palavra "escroto" para definir muitos desses jogadores. Ele ia passando as figurinhas e dizendo se o jogador era "escroto" ou não. Pelo que eu sabia, a palavra "escroto" referia-se normalmente a alguém que era muito bom no que fazia. Eu já tinha ouvido frases como "O bicho é escroto!" num contexto que significava que a pessoa "se garantia" muito no que fazia, ou seja, era muito boa. Então achei que ele estivesse dizendo que aqueles jogadores eram muito bons. Mas no final ele concluiu dizendo com outras palavras que aqueles jogadores "escrotos" eram muito ruins e não jogavam nada. Então eu fiquei muito confuso. Daí eu disse para ele que eu usava esta palavra para dizer exatamente o oposto do que ele dizia. Engraçado isso! A mesma palavra sendo antônimo de si mesma, dependendo, é claro, da região do país em que for usada. "Escroto" também pode significar "sacana", "ruim" e até mesmo "estranho". A palavra "escroto", tecnicamente falando, refere-se a bolsa externa de pele onde ficam os testículos dos animais de sexo masculino. Na nossa cultura, essa parte do corpo é considerada feia e pode ser usada como sinal de ofensa (algo que em outras civilizações há muitos séculos atrás era exposto pelos homens para conquistar mulheres, quem diria...). Acho que daí vem o sentido pejorativo da gíria "escroto" no jeito carioca de ser. Tudo bem, vivendo e aprendendo.

Com o passar dos meses, fui dando uma "guaribada" no meu sotaque e nas gírias que usava para evitar futuramente de "dar uma rata" no meio do povo. Mas um episódio que ficou marcado na minha lembrança de vacilos de sotaques foi o seguinte. Era uma aula normal de terceira-série. A professora estava escrevendo na lousa a matéria e todos os alunos (inclusive eu, claro, mas por pouco tempo, como veremos a seguir) copiando diligentemente. Engraçado né, essas aulas de colégio, onde a professora copia as coisas na lousa e os alunos copiam no caderno. Sempre achei contra-produtivo, pois melhor seria que ela desse uma fotocópia do estudo. O velho e bom TD (É o novo!). Mas acabou de passar pela minha cabeça que isso talvez seja para treinar a escrita e caligrafia dos alunos. É, talvez seja por isso (Algum professor poderia me esclarecer sobre isso, por favor?). Pois bem, todos copiávamos. Não me lembro nitidamente da cena, mas tentarei descrever o que me lembro.

Nesse dia eu estava sentado na última fileira, encostado na parede do fundo da sala. Acontece que o meu lápis caiu no chão. As carteiras nas quais sentávamos eram daquelas de braço, que a gente só pode entrar e sair dela por um lado. Eu sou destro, então minha carteira tinha o braço direito e a entrada dela era pelo lado esquerdo. E, por uma eventualidade da vida, meu lápis caiu pro lado direito, ou seja, o lado oposto ao qual eu poderia sair da carteira. Outro detalhe importante é que minha carteira estava encostada na carteira da frente, sendo assim, eu não poderia levantar-me e "arrudear" para pegar o lápis, e além disso, na carteira que estava do meu lado direito (ou seja, no lado para onde o lápis caiu), não tinha ninguém, logo eu não poderia pedir para um coleguinha pegar meu lápis para mim. Eu tentei me esticar para ver se meu braço alcançava o lápis. Tentei bem "dicunforça", mas não deu. A professora estava escrevendo na lousa e todos os outros alunos copiando. Todos copiavam, exceto eu. O único barulho que existia era do giz no quadro e dos lápis nos cadernos. Nada mais. E eu sem lápis. Vejamos a situação: (1) Minha carteira, por trás, encostada na parede do fundo da sala; (2) Pela frente, encostada na carteira da frente; (3) Meu braço pequeno demais para alcançar o outro lado; (4) Nenhum coleguinha ocupando o lado direito; (4) Meu lápis inerte no chão longínquo. Eu tinha que pega-lo. Naquele momento da minha vida, aquele lápis, aquele cotoco de madeira com grafite dentro era o objeto mais importante do universo. Eu tinha que recupera-lo o mais rápido possível, antes que o espaço disponível na lousa para a professora escrever acabasse e ela voltasse para o início da lousa com o apagador e apagasse a parte que eu ainda não tinha copiado. O relógio estava mexendo seus ponteiros, e eu estava ficando sem tempo. O que fazer? Então eu tive uma idéia, um plano aparentemente infalível.

Eu analisei o cenário e verifiquei a impossibilidade de pegar o lápis por métodos "convencionais", digamos assim. Como a professora estava virada para a lousa escrevendo sem parar e todos os outros com cabeças baixas copiando nos seus cadernos, eu olhei pra um lado e pro outro e pensei: "Bem, eu acho que ninguém vai perceber se eu ficar em pé na minha carteira, pular pro outro lado cuidadosamente, pegar meu lápis, e depois voltar pro meu lugar". Acreditem, a ingenuidade de uma criança pode atingir níveis muito altos. Dito e feito, coloquei meu plano em ação. Olhei mais uma vez pra ver se todos estavam concentrados nas suas cópias, tanto a professora como os alunos. OK! Fiquei em pé na minha carteira. Coloquei minha perna cuidadosamente pro outro lado. Pronto, foi aí que meu plano "perfeito" terminou. Estava tão concentrado nos meus movimentos milimétricos que acabei sendo surpreendido por uma pergunta: "Juliano, o que está fazendo?". Uma pergunta em alto e bom tom, vindo diretamente da boca da professora. Olhei pra ela e, com o meu jeito cearense de ser, respondi: "Perainda, professora!". Depois disso, perdi o equilíbrio e cai no chão. A conseqüência direta disso foi que toda a turma, todos os meus coleguinhas, que já estavam olhando pra mim desde a pergunta da professora, todos caíram na gargalhada (como dizemos, começaram a "se abrir"). Algumas possibilidades para as gargalhadas eram: (1) a arrumação que eu tinha aprontado; (2) a minha magnífica queda; (3) a minha frase que incluía um termo estranho "Perainda" ou (4) Tudo isso junto. Ainda escutei alguns deles dizendo "perainda, hahaha". Foi uma verdadeira comédia. Não me lembro o que aconteceu depois. Mas lembro desse momento. Perainda! Essa foi boa!

Sendo que depois de dois anos morando lá, eu e meus irmãos ficamos com um sotaque carioca "aloprado". O meu aniversário de 11 anos foi filmado e podemos ver lá as nossas gírias cariocas "maneiras" e todo aquele chiado puxando o "s" como eles fazem. Voltamos pro Ceará e nos readaptamos ao nosso sotaque original. Desde que voltamos, em nossa casa, não se "serviu o almoço", mas se "botou o dicumê na mesa". Nós não ouvimos "barulho", mas ouvimos "zuada". Lá em casa não se passou a roupa, mas se "engomou roupa". E esse e-mail que recebi termina com a seguinte frase: "Ser cearense é ser único! Ô orgulho véi besta!!!"