quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Filhos Irreconhecíveis

Sistemas de reconhecimento são imprescindíveis para nos relacionarmos uns com os outros. Existem diversos tipos distintos desses sistemas espalhados pela natureza. Formigas, por exemplo, usam feromônios, que são substâncias químicas, para transmitirem estímulos entre si, reconhecerem-se e trocarem informações. Assim dão orientações químicas umas às outras, coordenando as atividades do formigueiro, para procurar comida, coletar o lixo, proteger a rainha, e tudo mais. Aves fazem ninhos e seguem a seguinte regra de reconhecimento: "Quem estiver dentro do ninho, cuide! Quem estiver fora do ninho, ignore!" (Pra quê gastar recursos valiosos desnecessariamente com alguém que você nem tem certeza que é seu filhote, não é mesmo? Logicamente quem estiver no seu ninho provavelmente é seu filhote, enquanto que quem não estiver, provavelmente não é). Aproveitando-se dessa regra, os cucos não fazem ninhos, mas colocam seus ovos nos ninhos de outras aves, tornando-se assim verdadeiros parasitas e deixando que pais adotivos cuidem dos seus filhotes. Não fosse apenas esse aproveitamento ilícito, o filhote de cuco quando nasce, mata os outros filhotes (que são filhos legítimos de sua mãe adotiva) à bicadas ou joga os ovos ainda não chocados para fora do ninho, empurrando-os com seus tocos de asas. Assim aproveita-se melhor dos recursos dos pais adotivos, de forma exclusiva, que não fazem a menor idéia de que se trata de um "estranho no ninho", mesmo que, algumas vezes, o filhote seja o dobro do tamanho da mãe adotiva.

Existem algumas aves marinhas (por exemplo, o Mergulhão da Pata-Azul) que não fazem ninhos, porém, depois de colocarem seus ovos no chão, delimitam uma área circular ao redor dos ovos, um "anel de guano" (guano é excremento de aves), que indica a área dos seus filhotes. A regra é simples: "Quem estiver dentro do anel, cuide! Quem estiver fora do anel, ignore! Quem tentar entrar no anel, expulse ou mate!". Ao contrário de outras aves, que se ausentam dos ninhos para coletar comida para os filhotes (correndo o risco de terem seus ninhos aproveitados maliciosamente por ovos alheios, como fazem os cucos), essas aves marinhas ficam sempre no anel de guano, pelo menos um dos dois pais, ou o macho ou a fêmea, vigiando, assim, a integridade do anel (Isso me lembra "O Senhor dos Aneis - A Sociedade do Anel", de Tolkien). Quando um dos dois volta com o alimento, não pode entrar no anel sem antes fazer uma dança indicando a "senha" para que a passagem seja permitida. Reconhecimento feito, a passagem fica liberada e ele pode entrar no anel. Os filhotes dessas aves não correm o risco de serem mortas por aves parasitas nem que seus ovos sejam misturados com outros, pois o anel é continuamente protegido e qualquer invasor é expulso. Outra questão é que, estes filhotes, inexperientes demais sobre as regras do anel, se saírem inadvertidamente do círculo estabelecido (seja para perseguir uma minhoca desavisada ou por qualquer outro motivo), não poderão mais entrar no conforto do lar, pois não conhecem a dança do reconhecimento de entrada. Caso tenham a infelicidade de tentar entrar no anel, serão devidamente assassinados pelo pai ou pela mãe, que não sabem que trata-se do seu lindo filhotinho, achando que é um intruso desconhecido (possivelmente podem servi-lo de alimento para os filhotes restantes).

Nós primatas somos animais visuais e nos reconhecemos principalmente pelo sentido da visão. Estamos equipados para reconhecermos rostos, diferenciarmos cores, percebermos desenhos, formatos, tamanhos, distâncias e todo esse tipo de coisa que a visão nos proporciona. Desde bebês, a coisa que mais nos chama atenção é um rosto humano, mais do que qualquer outro estímulo. Mesmo tendo passado vários anos sem ver alguém, ou até uma pessoa que não conhecemos muito bem, ao vermos um rosto, mesmo que vagamente familiar, logo temos uma lembrança de que conhecemos a pessoa de algum lugar. Tendo a pessoa envelhecido, mudado o estilo do corte de cabelo, deixado a barba crescer ou cortado-a, ainda assim reconhecemos alguns traços que chamam nossa atenção. Costumamos dizer que conhecemos algumas pessoas "só de vista", e via de regra, isso é mais do que suficiente para diferenciarmos indivíduos uns dos outros. Conseguimos descrever traços físicos das pessoas de forma que desenhistas consigam fazer um "retrato falado" com perfeição. Enfim, estou dizendo tudo isso para comentar sobre algo curioso que aconteceu recentemente na minha casa.

Como comentei em outra oportunidade, eu tenho uma gata chamada Golinha. Acontece que ela engravidou e teve quatro filhotes (não são esses da foto, pretendo substituir esta foto e colocar a foto deles logo mais). Sempre foi uma mãe dedicada e cuidou muito bem da sua prole. Tendo os filhotes completado pouco mais de um mês de vida (e nós não sendo criadores de gatos, diga-se de passagem), resolvemos começar a dar os gatinhos que já não precisavam mais do leite materno. Antes de dá-los, nada mais natural do que banha-los, deixa-los limpinhos e cheirosos para os novos donos. Fomos a uma loja de animais para banha-los. Conseguimos dar dois deles, logo após o banho. Um foi para a própria veterinária da loja de animais, o outro foi para uma conhecida para quem já havíamos prometido. Os outros dois (ou melhor, as outras duas, pois eram fêmeas) voltaram para casa conosco. Chegando lá, a Golinha, que tinha passado o tempo todo miando atrás de saber onde estavam seus filhotes, não as reconheceu. Estavam cheirosas com perfume depois do banho, e seu cheiro característico tinha ido embora. A gata viu (sentiu, melhor dizendo) duas criaturas estranhas, que de forma nenhuma poderiam ser suas filhas. Começou a ameaça-las e tentar afugenta-las (a Golinha também não é esta da foto, tentarei colocar uma foto dela depois, mas foi assim que ela ficou). Toda vez que chegava perto das gatinhas limpas e cheirosas, fazia uma careta e ameaças sonoras. Chegou até a dar uma patada numa delas para que se afastasse. Diferente de tudo que tinha se passado antes, onde a Golinha lambia as filhas continuamente, dormia junto com elas, e dava de mamar, agora via as duas como possíveis ameaças, intrusas invadindo o seu território. Tivemos que coloca-las em quartos separados para não haver mais confusão.

Obviamente que para os felinos, o sentido principal não é a visão, mas o olfato. Não estou dizendo que a visão deles é ruim, claro que não (Aliás, é bem melhor do que a nossa pra algumas funções). Nós, por exemplo, enxergamos em cores. Os gatos aparentemente também, só que não tanto quanto os humanos. Os olhos deles tem outras capacidades, como por exemplo um campo visual de 200 graus enquanto que o nosso é de 180 graus. Só digo que eles não usam a visão para essa questão de reconhecimento como nós usamos. O olfato deles, sendo sobre-humano e bem mais importante, é que é usado nessa função específica. Digamos que eles cheiram "em cores", e com uma nitidez imprecionante. Então, quando trouxemos as filhas da Golinha, baseando-se no cheiro, não as reconheceu. Para ela as gatinhas eram dois seres estranhos.

Imaginemos um caso parecido se fosse no caso dos humanos. Imaginemos uma família européia caucasiana, onde os pais e filhos são indivíduos brancos, loiros e dos olhos azuis. Certo dia a mãe arruma seus filhos para irem ao colégio. Dá um abraço e beijo em cada um e despede-se deles. Eles pegam o transporte escolar e vão estudar. Enquanto isso a mãe fica em casa fazendo os deveres domésticos. Algumas horas depois, quando termina o período escolar, seus filhos voltam para casa. A mãe vai toda contente abrir a porta, mas quando vê, duas crianças estranhas: um menino indígena brasileiro todo pintado, com enfeites de penas enfiados no nariz e rosto; e uma menina morena com roupas típicas da cultura islâmica vestindo até uma burca para esconder os cabelos. Certamente que a mãe iria estranhar e dizer que não eram seus filhos. A voz das crianças pode ser a mesma, os nomes gravados no material escolar é dos seus filhos, mas a aparência mostra que não são seus filhos (apesar de que um exame de DNA poderia confirmar isso). Imagino que deve ter sido assim que a Golinha se sentiu. Engraçado que quando ela ouvia o miado das gatinhas, logo lembrava-se das filhas e começava a procura-las, mas quando aproximávamos as bichinhas pra perto da mãe, logo que sentia seu cheiro tinha toda certeza: não são minhas filhas! Só depois de mais de 24 horas foi que o cheiro do perfume das gatinhas começou a desaparecer e finalmente a Golinha começou a reconheçe-las. Tudo em paz, desde então! Nada de banhos nas gatinhas por um bom tempo.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Super-Heróis Impossíveis

Todos sabemos que os super-heróis usualmente desafiam as leis da natureza. Agora chega num ponto que eles exageram e que eu fico extremamente incomodado com suas características e poderes. Tudo bem que são personagens fictícios da imaginação humana, mas têm vezes que eles ultrapassam os limites de formas muito estranhas. Temos que dar um desconto, pois na maioria dos casos seus criadores não conhecem as leis que governam o universo. Vejamos algumas inconsistências entre alguns super-heróis e as mais básicas leis da física, química e biologia.

Acho que o super-herói mais famoso é o Super-Homem, por isso vou começar por ele. Teve uma cena no filme "Super-Homem II" (Superman II) que me deixou bastante incomodado. Nesse segundo filme, os vilões, fora o Lex Luthor, são três conterrâneos de Clark Kent, ou seja, são três kryptonianos. Assim sendo, eles têm exatamente os mesmos poderes do Super-Homem. Numa das cenas eles usam o poder conhecido como "super sopro" para causar uma confusão nas ruas de Metrópolis. Eles basicamente enchem os poderosos pulmões de ar e sopram o ar numa velocidade muito grande e que causa um verdadeiro furacão. E eles ficam soprando durante alguns minutos, causando uma destruição básica de qualquer vilão. Carros voam pelos ares, pessoas são levadas pelo vento, postes são derrubados e por aí vai. Eu não tenho nada contra que eles sejam extraterrestres de Krypton e que tenham super poderes. Quem sou eu para reclamar disso, afinal? Mas uma coisa é certa: o volume de ar que eles conseguem soprar é absurdamente desproporcional a capacidade pulmonar dos seus corpos. Simplesmente não cabe aquela quantidade de ar nos seus pulmões. E eles nem pegam fôlego durante a cena, só no começo. Os pulmões humanos (já que eles têm corpos humanos – comento sobre esse outro problema logo depois) tem a capacidade de reserva inspiratória de, no máximo, 6.000 cm3, ou seja, 6 litros de ar. Se eles quiserem usar seu "super sopro" que usem, agora são obrigados a pegar fôlego continuamente e rapidamente já que o ar tem que sair também em alta velocidade. E eu não sei se a eficácia desse "super sopro" ficaria adequada se eles tiverem que fazer uma "super inspiração" depois de cada "super expiração" (acho que o "furacão" ficaria meio que descontínuo). Se eles não pegarem fôlego e ficarem soprando e soprando durante minutos, teríamos que supor que aquele vento está entrando nos seus pulmões por outra via para que possa ser soprado sem interrupção, ou então que eles na verdade não estão soprando, mas criando magicamente o ar que sai de suas bocas. Seria difícil imaginar um furacão com apenas 6 litros de ar.

O Super-Homem tem alguns outros probleminhas, mas nenhum problema me incomoda mais do que ele ser supostamente um "homem". Ora bolas, ele é um extraterrestre e mesmo assim é, aparentemente, um ser da nossa espécie: Homo sapiens. Isso é impossível! Ao que eu saiba, não existe qualquer menção na historia do Super-Homem sobre Krypton ter sido colonizada por humanos. E nem poderia [ainda], pois é em outro sistema solar. Tampouco os kryptonianos colonizaram a Terra. Desta forma, nós e os kryptonianos, ao que tudo indica, não temos qualquer parentesco evolutivo. E em dois planetas diferentes, em sistemas solares diferentes, expostos à condições diferentes, nunca que uma espécie evoluiria para ser precisamente igual a uma outra do nosso planeta. Nem que os planetas fossem muito parecidos, isso não seria possível. Nem que tivéssemos todo o tempo do universo em nossa disposição. Nem no mesmo planeta isso aconteceria a partir de inícios diferentes (Lembremos do Efeito Borboleta, que diz que pequenas diferenças nas condições iniciais fazem toda a diferença). A história evolutiva de cada espécies é muito peculiar, dependendo de condições contigenciais específicas. Um meteoro que cai no planeta e causa uma extinção em massa pode mudar toda a rota evolutiva. Uma estrela que explode e emite radiação pode influenciar as mutações. Para que em Krypton e na Terra evoluíssem exatamente duas espécies idênticas, seria preciso que as exatas mesmas mutações fossem acumuladas e isso por bilhões de anos. Ou seja, impossível. Não tenho nada contra o Super-Homem voar, ter super-força, super-audição, super-velocidade e invulnerabilidade, agora ele ser um Homo sapiens, isso já é demais. Seria mais fácil uma vaca dar um pulo e entrar em órbita ao redor do Sol.



Um problema parecido, porém com um imenso agravante, é o caso do He-Man. O mesmo ocorre como na situação anterior, isto é, na Terra e em Etérnia duas espécies evoluíram identicamente: os humanos terráqueos e os "humanos" eternianos. O agravante a mais que eu cito é a mãe do Príncipe Adam: a Rainha Marlena. Sabe-se que Marlena é uma humana terráquea. De fato, ela era uma astronauta terrestre que perdeu-se no espaço, sua nave foi bombardeada por uma chuva de asteróides e acabou caindo no planeta Eternia. Daí foi acolhida pelo Rei Randor e casou-se com ele. Nada contra casamentos entre seres humanos e extraterrestres, muito pelo contrário, por mim que casem e sejam felizes. O problema é que eles tiveram filhos: He-Man e She-Ra. Como falei anteriormente, duas espécies (sem qualquer parentesco, diga-se de passagem) de planetas diferentes, com histórias evolutivas diferentes, além de não poderem convergir para o mesmo genótipo, muito mais difícil seria a reprodução entre elas. Bem mais fácil seria um ser humano reproduzir-se com uma alface (algo mais factível do que espécies sem qualquer parentesco, pelo menos as bases do DNA de humanos e alfaces são as mesmas – talvez desse para elaborar algum híbrido ou no mínimo inserir uns genes de uma espécie na outra).

Outro poder interessante que normalmente aparece na ficção científica é a invisibilidade. Esse tema já foi abordado em vários livros e filmes. Em 1897, o famoso escritor de ficção científica H. G. Wells escreveu o romance "O Homem Invisível" (The Invisible Man), desde então vários atores já protagonizaram tal papel como Chevy Chase e Kevin Bacon (curioso é que eles não tiveram tanto trabalho atuando, já que não tinham que estar presentes na maioria das cenas). Num desses últimos filmes mais modernos sobre o tema, o ator Kevin Bacon fica invisível no filme "O Homem Sem Sombra" (Hollow Man). Nesse filme, o projeto de invisibilidade está sendo desenvolvido por uma equipe ultra-secreta de cientístas para finalidade militares. O exército requeriu o projeto para poder usar soldados invisíveis que pudessem avançar nas linhas inimigas sem serem percebidos. Realmente seria muito útil um soldado invisível (apesar disso certamente atrapalhar bastante o trabalho dos médicos caso o soldado fosse ferido – como eles iriam saber onde estava sangrando?), um soldado que pudesse entrar nos territórios inimigos, roubar planos, escutar conversas, render as tropas adversárias, matar, etc. isso tudo sem ser visto. Realmente seria de uma grande eficiência para o exército. Isso se não fosse por um pequeno detalhe: um homem invisível seria obrigatoriamente cego. Isso mesmo, cego! Ele não enxergaria nada. Ora se o homem é invisível, isso significa que a luz atravessa ele sem qualquer impedimento, atravessa inclusive os seus olhos não sendo detectada pela retina. Eu tinha pensado nisso desde que vi filmes sobre isso. É interessante verificar que outros também já pensaram no assunto. Vamos às explicações. Sabemos que a visão baseia-se no princípio da câmara escura, mas um homem invisível não tem uma câmara escura. Toda parte do seu corpo, incluindo seus olhos, seriam transparentes e possuiríam um índice de refração com ar menor do que 0,05. No funcionamento do olho, as lentes cristalinas refratam a luz para produzir uma imagem dos objetos do ambiente na retina. Contudo, sendo a refratibilidade do olho igual a do ar, a única causa de refração é removida, e a luz passará através do olho do homem invisível sem ser percebida, não sendo refratada nem retardada, pois não há pigmentação. Em resumo, o homem seria invisível, mas também seria cego, ninguém o veria e ele, da mesma forma, não veria ninguém (acho que um exército de homens cegos não iria ajudar muito, talvez atrapalhasse até mais). O que significa que esse poder não adianta muita coisa.

Por enquanto são esses os super-poderes que eu me lembro terem me incomodado. Espero escrever ainda sobre outros casos numa futura oportunidade. Comentários e dicas de outros super-poderes são bem vindas.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

12 de Fevereiro: Dia de Darwin

Hoje faz 198 anos que Charles Darwin nasceu (não é um número redondo, mas tudo bem). Melhor será daqui há dois anos quando estaremos comemorando seu bicentenário de nascimento. Charles Darwin nasceu em 12 de Fevereiro de 1809 e cinqüenta anos depois, mudou a história da humanidade para sempre, dando, finalmente, um entendimento coerente sobre a origem das espécies, inclusive do homem. Então, todo dia 12 de Fevereiro, comemora-se internacionalmente, não apenas a descoberta de Darwin, mas o enorme benefício que o conhecimento científico em inúmeros campos, adquirido através da curiosidade e engenhosidade humana para o avanço da humanidade numa expressão de gratidão. E Darwin foi usado como personagem desse dia, por sua descoberta ter resolvido de uma vez por todas o principal questionamento e mais antigo da humanidade: "De onde nós viemos?". O objetivo do Dia de Darwin é encorajar as instituições que existem em todo o mundo, tais como as municipalidades, escolas públicas e privadas, faculdades e universidades, bibliotecas, museus, igrejas, organizações privadas e indivíduos para celebrarem juntos a Ciência e a Humanidade todo ano. (Coincidentemente, nesse mesmo dia nasceu outro grande homem, Abraham Lincoln, que foi presidente dos Estados Unidos e emancipador dos escravos americanos. Que dia frutífero foi esse, hein!).

A descoberta de Darwin foi deveras perturbadora. A questão da origem do homem talvez seja mais antiga do que a nossa própria espécie. Talvez nossos ancestrais como o Homo habilis, o "faz-tudo", que fabricava instrumentos de pedra há 2 milhoes de anos, já tivesse elaborado algum questionamento sobre isso. Há milhares de anos, as mais diferentes culturas elaboraram diversas mitologias especulando como teria sido nossa origem. A própria idéia de que as espécies evoluem não é tão nova, já tendo sido discutida pelos antigos gregos (por exemplo, Lucrécio). O próprio avô de Charles, o cientista Erasmus Darwin, era um filosofo natural e acreditava que as espécies se transformavam ao longo do tempo, mas não sabia como. Outro grande cientista que tentou responder essa questão foi Lamarck, com sua teoria dos caracteres adquiridos. Mas apenas em meados do século XIX isso foi resolvido definitivamente, por Charles Darwin.

Darwin fez sua famosa viagem no navio HMS Beagle, cujo capitão era Robert FitzRoy, ao redor do mundo, uma viagem que durou cinco anos. Darwin então coletou dados sobre diversas áreas como biologia e geologia. Nós temos a errônea impressão de que ele estava procurando dados para apoiar sua teoria sobre a evolução, mas quando ele embarcou no Beagle isso nem passava pela sua cabeça. A viagem do Beagle foi apenas um dos eventos que possibilitou futuras conjecturas por parte de Darwin. Ele estava apenas interessado em estudar história natural e geologia. É interessante verificarmos a quantidade de áreas que ele teve que estudar para poder elaborar sua teoria. Por exemplo, teve que estudar até mesmo economia, onde analisou uma idéia que respondia alguns dos seus questionamentos. Ele sabia que os indivíduos de uma mesma população apresentavam pequenas variações, sabia que populações diferentes separadas por questões geográficas durante muito tempo tendiam a ficar diferentes, observou semelhanças entre indivíduos de populações diferentes o que o levava a pensar que possivelmente tinham ancestrais comuns, mas uma coisa que ele não sabia era: "Por quê alguns sobrevivem e outros morrem?".

Anos depois da viagem do Beagle, já em terra firme, Darwin leu um ensaio de Thomas Malthus, um grande economista político e estudioso sobre demografia, chamado "Ensaio sobre o Princípio da População" que falava sobre uma prova estatística de que a capacidade de reprodução da população humana supera muito a capacidade dos seus meios de sobrevivência (como alimentação, por exemplo) o que leva a uma competição para sobreviver. O Princípio da População de Malthus é o seguinte: "O poder da população é tão superior ao poder da terra em produzir subsistência ao homem, que a morte prematura deve de uma forma ou de outra visitar a raça humana. Os vícios do homem são ativos e hábeis para a despopulação. São precursores nas grandes armas de destruição, e frequentemente terminam o serviço com as próprias mãos. Mas caso falhem nessa guerra de exterminação, outros meios como períodos de doenças, epidemias, pestilência e pragas avançam de forma terrível e varrem milhares ou dezenas de milhares. Mesmo que isso ainda seja insuficiente, gigantes e inevitáveis períodos de fome ocorrem, e como uma potente explosão, levam a população à morte com a pouca comida do mundo.". Em outras palavras, as populações reproduzem-se numa taxa superior a capacidade de recursos para sobrevivência. Como uma conseqüência lógica disso, Darwin percebeu que teria que haver uma luta pela sobrevivência, e que os indivíduos que estivessem mais bem equipados, que fossem mais fortes, no ambiente em questão, teriam significativa vantagem diante dos outros.

Finalmente, juntando todas as idéias, Darwin conseguiu explicar de forma convincente e coerente o mecanismo chave da evolução: a Seleção Natural. Uma idéia que baseia-se em quatro processos: (1) variação genética; (2) produção excessiva de descendentes ou prole; (3) luta pela sobrevivência; (4) sobrevivência e reprodução diferencial. Em resumo, nas populações todos os indivíduos são diferentes entre si devido às mutações genéticas e cruzamentos, ocorrem uma reprodução exagerada onde o número de indivíduos supera a capacidade de subsistência do ambiente, por isso os indivíduos competem entre si pelos recursos (alimentação, parceiros sexuais, clima etc.), e finalmente ocorre uma sobrevivência diferencial, onde alguns são beneficiados em detrimento dos outros e alguns têm maior probabilidade de se reproduzir do que outros. A seleção natural atua como uma "peneira" através das gerações, acumulando as variações mais bem adaptadas e eliminando aquelas desfavoráveis. As populações mudam em resposta a pressões ambientais e tornam-se adaptadas a novas condições, mudando ao longo do tempo. A Teoria da Evolução das Espécies pode ser explicada em uma frase: "A sobrevivência não-aleatória de variações aleatórias de códigos genéticos.". De fato, é uma idéia tão simples, poderíamos até mesmo dizer que infantil, de certa forma, mas tremendamente perturbadora (realmente, muitos não acham tão agradável a idéia de que nós, seres humanos, somos descendentes de lesmas rastejantes hermafroditas acéfalas, apesar de isso ser a mais pura verdade). Mesmo sendo uma idéia simples, o seu entendimento não é tão fácil, pois é contra-intuitivo e envolve questões (inclusive com implicações filosóficas profundas) com as quais não estamos acostumados a pensar (imensos períodos de tempo, acumulo gradual de pequenas mudanças etc.). Espero explicar sobre isso num futuro texto.

Charles Darwin, verificando que sua teoria era tão consistente e que explicava magnificamente as observações do mundo natural, e também vendo que isso abalaria a sociedade e o mundo, ficou receoso em expor sua idéia. Na verdade, ele adiou a publicação do seu livro por quase vinte anos, com medo das reações do povo. Em uma carta ele escreveu: "Sinto-me como se estivesse confessando um assassinato.". Explicar as origens do homem por meios exclusivamente naturais, na época, era como cometer uma grande heresia. Tanto que no seu livro "A Origem das Espécies", ele não cita o homem, fazendo apenas uma breve menção num dos últimos parágrafos do livro (alguns anos depois, vendo o sucesso que sua teoria fez, escreveu um novo livro especificamente sobre a origem do homem: "A Descendência do Homem"). A coragem que ele teve para publicar seu livro sobre a origem das espécies também veio por causa de um colega chamado Alfred Russel Wallace que, em paralelo, estava desenvolvendo uma teoria similar à teoria de Darwin e lhe enviou uma carta em 1858 pedindo que examinasse algumas idéias. Então, vendo que Wallace poderia antecipar a publicação da sua descoberta, Darwin se viu forçado a publicar logo seu livro, tomando o cuidado de fazer uma menção a Wallace e reconhecendo que ele tinha paralelamente começado a desenvolver a explicação da origem das espécies. Porém, a teoria de Darwin era muito mais completa e ia bem mais longe do que Wallace tinha ousado pensar, além de ter sido desenvolvida bem antes.

Apesar de tudo, o livro "A Origem das Espécies Através da Seleção Natural" publicado em 22 de Novembro de 1859, teve as 1.250 cópias vendidas imediatamente no mesmo dia. A segunda edição, lançada em 7 de Janeiro de 1860 (ou seja, 1 mês e meio depois), com 3.000 cópias também foi rapidamente esgotada. Durante o restante da vida de Darwin, houveram 6 edições do livro. Hoje em dia, é um dos maiores livros que já foi escrito em toda a história da humanidade (talvez até o maior livro).

Quando eu comecei a ler livros sobre a teoria da evolução, li primeiro os mais atuais, com as novas descobertas, coisas que Darwin nem poderia saber na época. Eu tinha a ilusão de que o livro de Darwin fosse um pouco básico demais. Mas quando finalmente li o livro de Darwin, "A Origem das Espécies", vi que eu estava totalmente enganado (eu penei pra entender muita coisa). O livro é bastante profundo, não deixa nada a desejar, tem inúmeros detalhes, vários exemplos, inclusive é bastante atual (apesar de algumas coisas obsoletas), mas eu vi como Darwin foi genial e como ele era sábio. É uma leitura altamente recomendada. Inclusive verifiquei muitas previsões que Darwin fez sobre outras teorias que só foram desenvolvidas no século XX (por exemplo, Teoria do Equilíbrio Pontuado) e que ele tinha verdadeiramente muito material, evidências, provas e embasamento para defender a idéia da evolução acima de qualquer suspeita.

Então, desejo um Feliz Dia de Darwin para todos!

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Realidade Escondida

No próximo dia 11 de Fevereiro, os portugueses estarão participando de um referendo no seu país para responderem a polêmica e delicada pergunta: "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?". É uma questão extremamente delicada e provoca as mais diferentes opiniões. O aborto ou interrupção voluntária da gravidez (IVG) é um problema social. Não temos como escapar dessa dura realidade. Devemos tratar do assunto com bastante cuidado, pois sendo uma questão de vida ou morte, não estamos procurando vencedores ou vencidos, mas uma tentativa para solucionar ou, no mínimo, amenizar o problema.

A prática do ato é considerada como crime previsto em lei na maioria dos países. Inicialmente, temos que diferenciar bem duas coisas: (1) o aborto e (2) a criminalização do aborto. O referendo que vai acontecer em Portugal não é sobre quem é a favor ou contra o aborto, mas apenas sobre quem é a favor ou contra sua criminalização, ou seja, se o ato deve ser considerado um crime. Sobre o primeiro ponto, o aborto, convém dizer que é um grande drama e ninguém gostaria de se sujeitar de tal procedimento. Seria descabido, por exemplo, dizer que uma mulher acha prazeroso fazer isso ou que seja algo ótimo para se fazer num final de semana. Nenhuma mulher que fez ou tentou fazer o aborto gostou da experiência. Um aborto é um procedimento invasivo e traumático, além de gerar traumas psicológicos muitas vezes incuráveis. Por esse motivo e tantos outros, falar em "banalização" do aborto é algo insensato. Alguns filmes interessantes que tratam o assunto são "O Crime do Padre Amaro" e "Regras da Vida".Eu, particularmente, sou contra o aborto, porém sou favorável a sua despenalização. E por despenalização entende-se que, a partir do momento em que não há uma pena, a justiça deixa de perseguir a mulher que aborta e já não será acusada em tribunal. Vou expor alguns argumentos que considero que explicam bem essa posição.

O aborto é uma realidade social que nem a sociedade nem o Estado podem ignorar. No Brasil já tornou-se uma questão de saúde pública. O Estado deveria encontrar um meio de apoiar a vida, não apenas do nascente, mas também da mãe. O penalista Jorge Figueiredo Dias escreveu, num contexto mais amplo: "O Estado não pode eximir-se à obrigação de não abandonar as grávidas que pensem em interromper a gravidez à sua própria sorte e à sua decisão solitária (porventura na maioria dos casos pouco informada); antes deve assegurar-lhes as melhores condições possíveis de esclarecimento, de auxílio e de solidariedade com a situação de conflito em que se encontrem. Sendo de anotar neste contexto a possibilidade de vir a ser considerada inconstitucional a omissão do legislador ordinário de proporcionar às grávidas em crise ou em dificuldades meios que as possam desincentivar de levar a cabo a interrupção.". Um amigo meu, Luiz Fabris, colocou a questão de forma bem clara: "Sejamos sinceros, quando pensamos em aborto, normalmente pensamos em mulheres de classe média ou rica, indo à clínicas clandestinas, com o aborto sendo realizado por algum médico ou outro profissional da saúde. Isto está longe da realidade. A realidade é muito mais dura. No Brasil, a estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que sejam realizados cerca de 4,5 milhões de abortos por ano. A esmagadora maioria é realizada pela própria mulher, em locais infectos, utilizando-se instrumentos infectados ou medicamentos clandestinos. As conseqüências ginecológicas vão desde mal estar profundo até esterilidade completa ou sepse pós-aborto, geralmente com conseqüências fatais (ocorrem cerca de 6.000 mortes por abortamento séptico por ano). Não acredito que exista nenhum profissional da saúde digno desse nome que seja favorável ao aborto como método de evitar concepção. Entretanto, a criminalização do ato é que contribui para sua manutenção. A esmagadora maioria dos abortos são realizados por mulheres de classe C ou D, geralmente jovens de 12 à 17 anos, com baixo grau de escolaridade, que apresentam analfabetismo funcional e não tem acesso à métodos anticoncepcionais (que são necessários à mulheres cada vez mais jovens). Se a mulher que realiza o aborto no banheiro do barraco pudesse ser atendida por um serviço de saúde, haveria, no mínimo, a oportunidade de se fornecer educação quanto a métodos anticoncepcionais e se evitaria os efeitos pós-aborto.".

Repito mais uma vez, para que fique bem claro, que não sou favorável ao aborto como método de evitar a gravidez indesejada. O que sou favorável é à descriminalização do ato, para que se possa fazer uma correta redução de danos e permitir que seja realizada uma educação quanto ao tema "anticoncepção". Por quê uma menina que fez um aborto iria a um posto de saúde? Para ser presa? A lei brasileira atual, que considera o aborto como crime é absolutamente inócua, ineficaz, não inibe crime algum e tende a mascarar o problema (escondendo a realidade), uma vez que não se pode fiscalizar a ocorrência do "crime". A existência da lei não impede os 4,5 milhões de abortos por ano, a maioria dos quais realizados em banheiros de barracos de favelas, pela própria mulher (ou menina), usando ou medicamentos ilícitos (o que provoca um enorme risco) ou usando agulhas de tricô ou crochet (o que pode levar a infecções uterinas fatais). Algumas contribuições da lei de penalização do aborto são as seguintes: (1) para que a paciente venha a morrer por conseqüência do aborto (aproximadamente 6.000 casos por ano), (2) para a manutenção da industria clandestina lucrativa dos aborteiros (um aborto clandestino custa por volta de R$ 3.000,00 e apenas atendem as classes mais ricas) e (3) para a venda de medicamentos ilícitos. A descriminalização do ato, por outro lado, permitiria uma melhor educação sobre anticoncepcionais, o aborto poderia ser realizado pelo SUS (Sistema Único de Saúde - o único sistema de saúde disponível para mais de 80% da população brasileira) sem custo para a paciente, além de evitar mortes, a esterilidade precoce, e acabar com a industria clandestina dos aborteiros de plantão (vulgo açougueiro). Um problema adicional: segundo a FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) os abortos vêm sendo praticados por meninas cada vez mais jovens, não sendo raros os casos de meninas com 13 anos que já praticaram abortos diversas vezes, onde muitas vezes, também, o pai do bebê é um parente (primos, irmãos, tios e até pais da própria menina).

Problemas tipicamente sociais não podem ser resolvidos apenas por força de lei. No caso do aborto, a legislação o proíbe desde as primeiras constituições brasileiras (desde a proclamação da independência). Um caso típico de ineficácia da lei, justamente porque ela não ataca a raiz do problema. Além do número de abortos aumentarem a cada ano, a idade das mulheres que o praticam diminui cada vez mais. O aborto não será eliminado se insistirmos em jogar o problema para baixo do tapete. Se o aborto fosse despenalizado, a menina procuraria o serviço público e seria orientada sobre métodos anticoncepcionais. Isso diminuiria bastante o número de possíveis futuros abortos, pois elas aprenderiam como evita-los. Palestras sobre métodos anticoncepcionais, que já ocorreram, permitiram uma redução nos processos de laqueadura em mais de 30%, por exemplo. Existem alguns remédios muito eficazes para se acabar com os abortos: educação, informação, conversa e, principalmente, acolhimento. Algo semelhante a essa redução de danos foi feita em relação aos viciados em drogas injetáveis. Eles compartilhavam seringas e se contaminavam com AIDS e outras doenças. Quando as seringas passaram a ser distribuídas pelas secretarias de saúde de alguma cidades, a AIDS praticamente desapereceu nesse público.

Outro detalhe interessante para ser levado em conta é que quem primeiro propôs a descriminalização do aborto foram, justamente, os profissionais da área de saúde, que estavam cansados de ver meninas morrendo de infecção uterina ou com sangramentos que duram semanas. Também é bom lembrar que em todos os países em que o aborto foi descriminalizado, a realização de abortos caiu de forma drástica. Como ainda comenta esse meu amigo: "Hábitos não se combatem com leis, mas com novos hábitos. Em 1917, um grupo de puritanos religiosos teve uma "brilhante" idéia: colocar o hábito de consumir bebidas alcoólicas fora da lei. A lei entrou em vigor em 1919 e deu um resultado imediato: o surgimento de grupos que faziam o contrabando de bebidas. Com esses grupos vieram aumentos exponenciais de crimes como estímulo à prostituição, assassinatos, jogo ilegal e tráfico de drogas. A lei havia esquecido de proibir a vontade de beber. Em 1933, Roosevelt acabou com essa idiotice e isso foi praticamente o fim de muitos dos grupos de crime organizado nos EUA. O mesmo acontece com o aborto. Lei nenhuma elimina a necessidade da menina praticá-lo!". Como disse a professora Samantha Buglione: "Descriminalizar o aborto não significa promover o aborto, mas significa perceber que a via penal não é a melhor forma de tratar a questão... Do ponto de vista prático, a criminalização do aborto, além de não proteger a vida do feto, gera a morte de mulheres e gastos desnecessários para o Estado."

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Monstro de Espaguete Voador

A divindade desse mês é o mundialmente famoso Monstro de Espaguete Voador (Flying Spaghetti Monster, ou simplesmente FSM). A sua igreja (Church of the Flying Spaghetti Monster) só recentemente foi conhecida, em 7 de Maio de 2005, quando seus seguidores resolveram expor-se e divulgar finalmente o seu evangelho, apesar de já existirem em segredo há centenas de anos. A decisão de expor a igreja ao mundo foi tomada pelo devoto adorador chamado Bobby Henderson que se viu obrigado a lutar pelo direito de igual tempo de ensino nas salas de aula para a Teoria do Monstro de Espaguete Voador em contraposição à cientificamente comprovada Teoria da Evolução das Espécies. Seus seguidores ficaram preocupados com o fato de que os alunos apenas escutassem uma versão da Teoria do Design Inteligente proposta por fundamentalistas cristãos e escreveram uma carta para o Conselho de Educação do Estado do Kansas nos EUA exigindo que a Teoria do Monstro de Espaguete Voador também tivesse igual direito.

Antes de colocar a carta que foi enviada ao conselho educacional, gostaria de descrever um pouco sobre a divindade, seus seguidores, seus ensinamentos e sua igreja. A divindade é formada por uma maçaroca de espaguete com dois apêndices oculares, duas almôndegas (bolas de carne) e vários apêndices macarrônicos. A crença é que um invisível e indetectável Monstro de Espaguete Voador criou o Universo, começando com uma montanha, algumas árvores e um anão. Seus seguidores são conhecidos como Pastafarianos, que seria um trocadilho com "pasta/macarrão" e "rastafári" devido a aparência do monstro.

Dentro do conjunto de crenças estão incluídas as seguintes: o aquecimento global, terremotos, furacões e outros desastres naturais são uma conseqüência direta do declínio no número de piratas desde o século 19; os piratas são "seres divinos absolutos" que são na verdade "exploradores pacíficos e amáveis que espalham a boa sorte" e distribuem doces para as crianças; todas as evidências da evolução foram intencionalmente plantadas pelo Monstro de Espaguete Voador; a divindade testa a fé dos Pastafarianos fazendo as coisas parecerem mais velhas do que elas realmente são (por exemplo, fósseis, rochas, artefatos, medidos por dezenas de métodos de datação, sendo que o Monstro de Espaguete Voador adultera os resultados para iludir os cientistas); o Pastafariano acredita num paraíso que inclui "vulcões de cerveja até onde a vista alcançar" e uma fábrica de strippers; "RAmén" é a conclusão oficial para rezas, certas seções do Evangelho do Monstro de Espaguete Voador, etc. e é uma combinação do termo hebreu "Amém" (também usado no Cristianismo) e Ramen, um tipo de macarrão japonês (Lámen).

Também existem os Oito Mandamentos do Monstro de Espaguete Voador que foram escritos numas pedras sagrada e que foram recebidas por um capitão pirata chamado Moisey. Tais mandamento são conhecidos como Os Oito "Eu realmente preferia que você não tivesse feito". Na verdade, inicialmente eram dez, mas dois deles caíram quando eram carregados de volta até o navio pirata e sobraram apenas oito mesmo. Esses mandamentos orientam os fiéis sobre como tratar as pessoas de outra fé, sobre adoração ao Monstro de Espaguete Voador, sobre conduta sexual e nutrição. Alguns dos "Eu realmente preferia que você não tivesse feito" são os seguintes: (1) "Eu realmente preferia que você não tivesse agido como um devoto hipócrita excessivamente amostrado e cheio da razão quando estiver descrevendo a minha santidade macarrônica. Se alguém não acreditar em mim, está tudo bem. Realmente, eu não sou tão vaidoso. Além do mais, isso não é sobre eles, então não mude de assunto"; (2) "Eu realmente preferia que você não tivesse usado minha existência como meio para oprimir, subjugar, punir, despedaçar, e/ou, você sabe, ser maldoso com os outros. Eu não exijo sacrifícios, e a pureza é para a água que se bebe, não para as pessoas."; (3) "Eu realmente preferia que você não tivesse julgado as pessoas pela sua aparência, como se vestem, o modo com falam, ou, bem, apenas seja gentil, Ok? Ah, e enfie isso na sua cabeça: Mulher = Pessoa. Homem = Pessoa. Ninguém é melhor do que o outro, a menos que estejamos falando sobre moda e sinto muito, mas eu dei isso às mulheres e para alguns caras que sabem a diferença entre as cores Teal e Fuchsia"; (6) "Eu realmente preferia que você não tivesse construído multimilionárias Igrejas, Templos, Mesquitas ou Santuários para a minha santidade macarrônica quando o dinheiro poderia ter sido melhor usado em (faça sua escolha): acabar com a pobreza, curar doenças, viver em paz, amar com paixão e diminuir os custos da tevê a cabo. Eu bem que posso ser um complexo Ser Onisciente Carbohidratado, mas eu aprecio as coisas simples da vida. Eu devo saber. Eu SOU o Criador."; (7) "Eu realmente preferia que você andasse por aí dizendo aos outros que Eu falo com você. Você não é tão interessante. Se toque! E eu disse para você amar os seus companheiros humanos. Você não consegue pegar uma dica?". Para maiores detalhes sobre os outros "Eu realmente preferia que você não tivesse feito", por favor, pesquisem no Evangelho do Monstro de Espaguete Voador.

Atualmente, o Pastafarianismo é uma das religiões que mais cresce em todo o mundo já contando com milhões (talvez milhares) de seguidores fervorosos em diversos países. A Igreja do Monstro de Espaguete Voador é largamente considerada uma religião legítima, até mesmo pelos seus oponentes, que inclusive admitem que o FSM tem "bolas" maiores do que seus respectivos deuses. Alguns afirmam que a Igreja do FSM é puramente um experimento, uma sátira, ilustrando que o Design Inteligente não é ciência, mas pseudociência construída por fundamentalistas cristãos que querem empurrar o Criacionismo dentro da sala de aula. Essas pessoas estão enganadas. A Igreja do FSM é real, totalmente legítima e apoiada pela rígida ciência. Qualquer coisa que aparente ser humor ou sátira é mera coincidência. Agora coloco a carta que evidenciou ao mundo essa antiga crença.

Carta Aberta ao Conselho de Educação do Kansas

Estou escrevendo à vocês com muita preocupação, depois de ter lido suas audiências para decidir se a alternativa Teoria do Design Inteligente deveria ser ensinada juntamente com a Teoria da Evolução. Eu acho que todos podemos concordar que é importante para os estudantes escutarem múltiplos pontos de vista para que assim possam escolher por eles mesmos a teoria que faz mais sentido para eles. Estou preocupado, contudo, que os estudantes somente ouçam uma Teoria do Design Inteligente.

Lembremo-nos que existem múltiplas teorias do Design Inteligente. Eu e muitos outros ao redor do mundo temos a forte crença de que o universo foi criado por um Monstro de Espaguete Voador. Foi Ele quem criou tudo o que vemos e tudo o que sentimos. Nós acreditamos fortemente que toda a incontroversa evidência científica do mundo que aponta em direção a um processo evolucionário não é nada além de uma tremenda coincidência, organizada por Ele.

E é por essa razão que estou lhes escrevendo hoje, para formalmente requerer que essa teoria alternativa seja ensinada nas suas escolas, juntamente com as outras duas teorias. De fato, eu irei tão longe e direi que, se vocês não concordarem em fazer isso, seremos forçados a processa-los com uma ação legal. Tenho certeza que vocês percebem de onde estamos vindo. Se a Teoria do Design Inteligente não é baseada na fé, mas ao invés disso sendo uma outra teoria científica, assim como alegam, então vocês também devem permitir que nossa teoria seja ensinada, pois também é baseada na ciência, e não na fé.

Alguns acham isso difícil de acreditar, então talvez seja proveitoso contar-lhes um pouco mais sobre nossas crenças. Nós temos evidência de que o Monstro de Espaguete Voador criou o universo. Nenhum de nós, claro, estava lá para ver isso, mas temos relatos escritos sobre isso. Nós temos vários extensos volumes explicando todos os detalhes do Seu poder. Também, vocês devem estar surpresos de ouvir que existem 10 milhões de nós, e aumentando. Nós temos a tendência de sermos muito secretos, pois muitas pessoas afirmam que nossas crenças não são substancialmente baseadas por evidência observável. O que essas pessoas não entendem é que Ele construiu o mundo para que pensássemos que a Terra é mais velha do que realmente é. Por exemplo, um cientista pode executar um processo de datação por carbono em um artefato. Ele encontra que aproximadamente 75% do Carbono-14 decaiu por emissão de elétrons para Nitrogênio-14, e infere que este artefato tem aproximadamente 10.000 anos de idade, pois a meia-vida do Carbono-14 é de 5.730 anos. Mas o que nossos cientistas não percebem é que toda vez que eles fazem uma medição, o Monstro de Espaguete Voador estará lá mudando os resultados com seu Apêndice Macarrônico. Nós temos vários textos que descrevem detalhadamente como isso é possível e as razões por que Ele faz isso. Obviamente, Ele é invisível e pode passar através de matéria ordinária com facilidade.

Desenho esquemático da criação do universo de acordo com o Pastafarianismo. Inclui o Monstro de Espaguete Voador, uma montanha, algumas árvores e um anão.
Tenho certeza que agora vocês entendem o quão importante é que os seus estudantes sejam ensinados sobre essa teoria alternativa. É absolutamente imperativo que eles percebam que evidência observável está no julgamento de um Monstro de Espaguete Voador. Além do mais, é desrespeitoso ensinar nossas crenças sem vestir a Sua roupa escolhida, que claramente é uma completa vestimenta pirata. Não posso medir suficientemente a importância disso, e infelizmente não posso descrever em detalhes o motivo de isso precisar ser feito, pois temo que esta carta já esteja ficando muito longa. A explicação resumida é que Ele fica com raiva se não fizermos assim.

Vocês devem estar interessados em saber que o aquecimento global, terremotos, furacões e outros desastres naturais são um efeito direto da diminuição do número de piratas desde o século 19. Para o seu interesse, incluí um gráfico do número aproximado de piratas versus a média de temperatura global nos últimos 200 anos. Como vocês podem ver, existe uma significativa relação estatística inversa entre piratas e temperatura global.

Em conclusão, obrigado por terem tomado o tempo para ouvir nossas visões e crenças. Eu espero que tenha sido capaz de expor a importância de ensinar essa teoria aos nossos estudantes. Nós iremos, com certeza, ser capazes de treinar os professores nessa teoria alternativa. Estou ansiosamente aguardando sua resposta, e espero sinceramente que nenhuma ação legal tenha que ser tomada. Acho que todos podemos olhar para a frente para o tempo em que essas teoria sejam dadas tempo igual na sala de aulas de ciências em todo o país, e eventualmente no mundo. Uma terça parte para Design Inteligente, uma terça parte para Pastafarianismo (ou Monstroísmo Espaguético Voador), e uma terça parte para conjectura lógica baseada em incontroversa evidência observável.

Sinceramente,
Bobby Henderson, cidadão preocupado.